15.3.12

Errâncias VI

Não sei que informações teriam meus Pais acerca do Instituto Nun'Alvres (sic) nem de onde seriam elas provenientes.
A verdade é que o Colégio jesuítico da Caldas da Saúde (Santo Tirso) gozava, nos meios conservadores e católicos, de uma reputação muito sólida e lisonjeira.
Com a expulsão dos jesuítas pelo Governo republicano, a Ordem instalara um Colégio em La Guardia, muito perto da fronteira portuguesa, em frente a Caminha. 
Quando Salazar pôs fim à proibição, logo no início dos anos 30, o Colégio foi, então, instalado nas Caldas da Saúde, também conhecidas por Caldinhas.
À entrada do Colégio, com o Turita junto ao portão
Foi aí que, certamente "para meu bem", fui internado em 1952/53.
O contraste entre o quotidiano do Natupile e de Montepuez, vivido no conforto protector da família e na liberdade dos grandes espaços africanos, e o Colégio interno, ferreamente disciplinado pelas assustadoras figuras de negras batinas, no meio de centenas de pessoas desconhecidas, os enormes e frios dormitórios, os terrores nocturnos induzidos pela doutrinação ininterrupta, cheia de imagens do eterno sofrimento do Inferno que me esperava, tendo em vista os meus imperdoáveis pecados, era, positivamente, insuportável.
O Colégio, bem integrado no espírito do Padre Inácio fundador da Companhia de Jesus, que a quis moldada como uma Ordem Militar, dividia os alunos em seis "Divisões", sendo a "Sexta Divisão" a dos mais pequenos na qual, como é evidente, eu estava integrado.
A acrescer, a funda sensação de abandono quando minha Mãe, acompanhada pela Lena e pelo Turita, voltou a Moçambique, um trauma - digo-o convicta e seriamente - me marcou para sempre.
Eu ficara "confiado" a uns "Encarregados de Educação", uma simpática e acolhedora família do Porto, a Senhora Dona Maria Amélia e o Senhor Diogo Santos Clara, residentes na Rua Visconde de Santarém e Pais de três filhos dos quais o mais novo, o Diogo Maria tinha, pouco mais ou menos, a minha idade.
 Os Santos Clara, minha família de substituição
Tenho para com eles uma dívida de eterna gratidão porque mitigaram a minha sensação de abandono e, com a sua gentileza, alegria e calor humano, conseguiram que, de quando em vez, eu me sentisse feliz.
Os Santos Clara tinham uma inofensiva excentricidade que hoje recordo com ternura: na casa da Rua Visconde de Santarém era exposta, em datas adequadas,a bandeira azul e branca da Monarquia. 
O manarquismo da família era gentil e tolerante, uma espécie de inofensiva excentricidade, e nada tinha a ver com o agressivo anti-republicanismo dos jesuítas das Caldinhas, feroz e abertamente talassas e legitimistas, que faziam anteceder, nos Anuários do Colégio e, suponho, em todos os documentos onde eles figurassem, os nomes dos filhos do pretendente ao trono - e os três eram alunos de Santo Tirso - da sigla S. A. R. significando Sua Alteza Real...
Fazendo curta uma longa história: a minha rejeição do sinistro estabelecimento era tal que, apesar dos meus nove/dez anos, fugi três vezes do Colégio. A primeira fuga terminou, ingloriamente, na Estação de combóios de Santo Tirso; a segunda, teve êxito, embora um êxito relativo, uma vez que cheguei ao Porto, donde fui recambiado no dia seguinte; a terceira, foi a mais breve pois fui apanhado pouco depois de passar o portão.
O que é certo é que a minha irredutível resistência acabou por convencer os meus Pais de que a "solução jesuítica" não tinha pernas para andar.
Ao fim de dois anos, minha Mãe voltou a Portugal e eu embarquei com ela no paquete Pátria, na viagem que já aqui relatei.






















Nenhum comentário: