(...) Na parábola dos mapas e no conto "Funes, o Memorioso", Borges ensaiou celebremente um argumento paralelo: a reprodução total é tão inútil como a memória total. O que somos é tão moldado pelo que lembramos como pelo que esquecemos. Pensar é generalizar, e também separar o trivial do indispensável, por vezes deixando que essa separação seja decidida á nossa revelia. A justaposição inspirada que origina uma boa ideia, uma boa frase, ou uma boa piada é tão capaz de surgir de algo que recordamos subitamente como de uma qualquer ligação que se deteriorou sem darmos por isso. O preço a pagar pela fuga gradual do passado - ter de indagar onde meti aquela cena, ou quem é aquele gajo, ou arriscar a contar a mesma piada duas vezes - é pequeno comparado com a fértil vivacidade que isso traz ao presente.
Funes tornara-se tão laborioso na arte da memória que recuperar um dia lhe ocupava um dia inteiro.
A opção sensata e equilibrada é demorar muitos anos a esquecê-lo, um interessante bocadinho de cada vez.
Rogério Casanova
Pastoral Portuguesa
Revista LER - Fevereiro 2012 Nº 110
Rogério Casanova
Pastoral Portuguesa
Revista LER - Fevereiro 2012 Nº 110
Rogério Casanova
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