Há cinquenta anos, no dia 24 de Março de 1962, teve início uma movimentação estudantil que ficou conhecida como "Crise Académica de 1962".
"Crise" ou "Luto Académico" foram eufemismos usados para designar a greve do estudantes que, iniciada nas Universidades Clássica e Técnica de Lisboa, imediatamente alastrou às Academias de Coimbra e Lisboa.
Plenário no Estádio Universitário |
O rastilho que incendiou as Universidades foi a proibição das comemorações do Dia do Estudante por um Poder acossado e temeroso que, no ano anterior, tinha tido o seu annus horribilis: em Angola começara a Guerra Colonial, acontecera o Golpe de Beja, Botelho Moniz tentara um golpe palaciano, dera-se o assalto ao Santa Maria por Henrique Galvão, Nehru decidira-se pela invasão de Goa, multiplicavam
-se as greves na cintura industrial de Lisboa e no Alentejo.
O regime tremia. Passou rapidamente da proibição do Dia do Estudante à repressão policial: a polícia de choque entra em acção, sucedem-se cargas policiais de grande violência, prisões e espancamentos.
A greve de 62 representou um enorme salto em frente na radicalização e na politização da juventude portuguesa e daria, nos anos seguintes, os seus frutos com o envolvimento de camadas cada vez mais amplas de jovens tanto na luta clandestina como na actividade legal contra o regime.
Entre esses jovens, contava-me eu.
Desembarcado em Lisboa no ano anterior, já politicamente "consciencializado", como então se dizia, entreguei-me com entusiasmo à actividade no seio da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa e, rapidamente, à miltância política.
A agitação académica favorecia e facilitava o trabalho e o recrutamento políticos.
Rapidamente, estava envolvido em actividades mais "duras", para que era atraído por uma visão romântica e um pouco ingénua luta clandestina
Entretanto, tinha sido "apanhado" pela PIDE, com mais dois amigos e camaradas, quando nos preparávamos para uma noite de pintura de paredes, na campanha de agitação para a manifestação do 1º de Maio. Só passámos uma noite na PIDE que, na realidade, não se apercebeu da actividade que preparávamos.
Mas essa primeira "inscrição" do meu nome nos sinistros arquivos pidescos, teve consequências várias e que se prolongaram no tempo, com resultados geralmente desagradáveis. Um deles ocorreu pouco tempo depois: em Maio, dois meses depois do início da greve, a Polícia de Choque, comandada pelo notório Capitão Maltez, investiu contra a Cantina Universitária, no interior da qual um grupo de colegas estava em greve da fome, em protesto contra as autoridades, enquanto no exterior muitas centenas de jovens formavam um escudo destinado a proteger os grevistas da fome ou, pelo menos, a dificultar a sua prisão e identificação.
Lista de alguns presos em Caxias |
Depois de algumas horas de resistência, com bastonadas e correrias à mistura, muitas centenas de estudantes foram encafuados em autocarros e divididos entre o Governo Civil e o Quartel da PSP na Parede.
Dentre esses, algumas dezenas foram, depois, remetidos para Caxias, onde permaneceram alguns dias.
Tive a honra de me encontrar entre esses poucos estudantes, escolhidos por estarem já referenciados pela PIDE.
A Crise de 62 foi um marco na vida de muitos de nós e o dia 24 de Março tem sido ininterruptamente lembrado por muitos dos participantes.
Publico, a ilustrar este post, uma foto e a cópia de um documento.
Na foto, captado no próprio dia 24 de Março, durante um Plenário de Estudantes, reconhece-se, entre outros, no segundo a contar da esquerda, sentado na bancada, Jorge Sampaio, então Secretário-Geral da RIA (Reunião Inter-Associações), orgão coordenador do Movimento Associativo em Lisboa, e, como tal, o principal dirigente estudantil, sua cara e seu porta-voz. O sexto a contar da esquerda é este vosso amigo.
O documento é a lista das pessoas que, tendo sido separadas dos restantes colegas no Quartel da Parede, nas circunstâncias que acima descrevo.
Neste 50º aniversário, as comemorações terão, sem dúvida, mais repercussão. Afinal, sempre é meio século que passou...
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