27.3.12

FIM




interrompe-se aqui este blog.
Foi um mergulho  na memória, em memórias.
Ilustrei-as, as mais das vezes, com fotografias. 
A ideia foi sugerida pela viagem que fiz em 2011, com a minha mulher Paula, a Moçambique e durante a qual fiz uma rápida visita a Montepuez.
Durante os últimos trinta e muitos anos, tive ocasião de voltar a Moçambique por várias vezes; tratou-se de viagens profissionais, rápidas e pouco variadas, que duravam, quando muito, três ou quatro dias e se concentraram, quase exclusivamente, em Maputo. Nenhuma delas me tinha proporcionado a oportunidade de visitar Montepuez.
A viagem de 2011 foi diferente: durou quase um mês, permitiu-nos (à Paula e a mim), visitar o Sul, o Centro e o Norte do país, usar o automóvel para duas incursões rodoviárias, visitar alguns dos muitos recantos paradisíacos ou exóticos do país e, claro, visitar, ainda que muito rapidamente, Montepuez.
O blog era uma forma expedita de mostrar a pessoas da minha família e a alguns amigos as (poucas) imagens que recolhi da terra onde passei a infância e uma parte da adolescência.
Mas a torrente de recordações e memórias que a viagem despertou, e que tentei singularizar no blog, rapidamente me fizeram procurar as fotografias antigas que tinha à disposição.
Algumas outras pessoas enviaram-me ou permitiram-me que usasse fotografias suas. Foi o caso do meu amigo Celestino Gonçalves, da minha irmã Maria Helena e dos meus primos Júlio Ramalho e Aurélio Rocha.
O resultado foi este amontoado mais ou menos caótico de comentários, quase sempre suscitados pelas fotografias; daí que não tenha mencionado muitas das pessoas e acontecimentos que tenho vívidos nas lembranças mas que não aparecem naquelas fotos. Alguns amigos inesquecíveis, personagens marcantes, lugares, ocasiões.  
As fotografias antigas tinham sido, como é fácil de verificar, "guardadas" de forma pouco metódica, sem cuidado, em caixas, envelopes ou montões dispersos; deterioram-se, rasgaram-se, foram rabiscadas…mas serviram o propósito.
Tentei, também, induzir alguma reflexão sobre os mecanismos da memória. Servi-me, para isso, essencialmente de citações, que reuni numa rubrica exactamente com esse nome, "Citações".
Tentei divulgar alguns pormenores históricos que julgo pouco conhecidos da maior parte das pessoas. Disso resultaram as séries "Montepuez na Grande Guerra" e, da autoria do meu primo Aurélio Rocha (Lelo), "Apontamentos sobre as Origens Históricas de Montepuez".
Foi difícil resistir à tendência para extravasar das recordações de Montepuez ou relacionadas com Montepuez e contar, mesmo que em esquisso e em breves apontamentos, outras partes da minha vida.
Esssa tentação "autobiográfica" traduziu-se na série que denominei "Errâncias" e que, a pouco e pouco, começou a fixar-se na intenção de falar das cidades e sítios onde vivi - quando digo "viver" quero dizer onde me fixei por períodos relativamente longos e onde tive lugares a que chamei "casa".
Assim, falei de Porto Amélia, do Natupile, de Montepuez, está claro, do Colégio de Santo Tirso, de Lourenço Marques. Faltou falar de Nampula, de Lisboa, de Sá da Bandeira em Angola, de Baghdad, de Paris , de Brasília, de Estraburgo, de Bissau, de Belgrado, de Malta.
 A vida fez de mim um globetrotter ou, numa visão menos sofisticada, um vagabundo.
Mas, há alguns dias, quando me preparava para mais um post da série (Errâncias) senti-me muito desconfortável.
Em primeiro lugar, pareceu-me perigosamente pedante a ideia de que a minha vida possa interessar a alguém, sobretudo contada assim, em pequenos "comprimidos" forçosamente incompletos e que não conseguem transmitir, nem sequer longinquamente, a realidade compósita das situações a que se referem.
Seria seriamente pretensioso.
Já algumas vezes me sugeriram que escrevesse sobre alguns factos que testemunhei; respondi sempre como fazia um amigo cuja vida e acção foram, ao mesmo tempo, mais interessantes e mais originais do que as minhas: "As coisas realmente interessantes que tenho para dizer, já foram ditas; as outras, não têm a mais pequena importância"
É verdade que a profissão me fez, por duas ou três vezes, estar em lugares e envolvido em circunstâncias em que me cruzei com a História mas a única coisa que poderia transparecer disso, num blog e por razões diversas seriam algumas anedotas, impressões rápidas, pinceladas inseguras.
A segunda razão desse mal-estar é mais difícil de explicar. Tem a ver com um sentimento de irrealidade que surge quando me descrevo, ou aos sentimentos e recordações, quase como se tratasse de uma outra pessoa a falar de mim.
A utilização das fotografias, afinal, atenuou esse sentimento de irrealidade. Elas serviram como uma espécie de ponte entre essa pessoa que fui e esta pessoa que sou agora.

A primeira entrada do blog é de 5 de Junho de 2011. 
Publiquei 230 posts. 
O blog teve cerca de 4000 mil visitantes - o marcador indica, hoje, 3641 mas ele foi instalado bastante depois de ter começado a ter leitores.
A localização desses visitantes foi como se segue:

Portugal.....................2311
Russia..........................313
Alemanha....................264
Moçambique...............237
Estados Unidos.........198
Brasil.............................65
Canadá.........................33
Reino Unido.................30
Guiné-Bissau...............17
Roménia.......................14
Ocasionalmente, surgiram nos registos O Luxemburgo, França e Itália.

Talvez alguém, dentre esta pessoas (que, evidentemente, têm alguma relação com Montepuez) possa e queira empreender algo de semelhante àquilo que tentei. Se isso acontecer, espero sabê-lo.
Tenho pena que não  tenha havido muita interacção com todos estes leitores. Foram extremamente raros os que utilizaram a caixa de comentários posta à sua disposição.
De qualquer maneira, dou por bem empregadas as horas que, quase quotidianamente, dediquei esta actividade durante estes meses.
Beijos, abraços e saudades.







26.3.12

Errâncias VI

Depois dos Jesuítas, os Maristas de Lourenço Marques poderiam passar por um refrigério moderno e liberal.
Recebendo um prémio. Em pé, de branco, o Irmão Lourenço.
Sentado, o primeiro à esquerda, o Cardeal de Lorenço Marques
D. Teodósio Clamente de Gouveia
Em lugar do soturno casarão de Santo Tirso, um edifício claro, arejado e de linhas modernas. As lúgubres sotainas negras dos Jesuítas substituídas pelas leves batinas brancas dos Irmãos. A severidade distante dos Padres das Caldinhas dava lugar a uma informalidade "tropical" dos Maristas, muitos deles brasileiros e, portanto, mais soltos e desempoeirados.
Hockey no Colégio. À esq. eu, com o equipamento
do Colégio. Ao lado, o Tó Manel Rocha Ribeiro
Todas estas diferenças eram, ainda, potenciadas pelo ambiente envolvente, o sol africano contra o nevoeiro minhoto, as alegres acácias rubras de Lourenço Marques contra as verde das courelas nortenhas, os espaços africanos em contraste com o Minho acanhado e pequenino..
Os alunos do Colégio PioXII, assim se chamava (se chama?) o estabelecimento, usavam um uniforme very british, calça ou calção azul marinho, casaco azul com listas duplas a amarelo, gravata do mesmo padrão. 
E, contudo, a obrigatoriedade do uso de uniforme não comportava um acréscimo em relação á rígida (e ríspida) disciplina dos membros da Companhia de Jesus que recorriam, com frequência, a castigos corporais. 
As próprias relações dos alunos com os professores e perfeitos tinham uma familiaridade inusitada e os Irmãos prezavam os desportos, não desdenhando arregaçar as batinhas, prendê-las no cinto e disputar renhidas partidas de futebol, de vólei ou de basquete.

Tal com durante a minha passagem por Portugal (pela Metrópole...) também em Lourenço Marques tive encarregados de educação, o senhor Rocha Ribeiro, antigo Administrador do Quadro, e a sua mulher. 
Os filhos, o Tó Manel, o Zé Joaquim e a Lena e, ainda, a João, então muito pequenina, quase me fizeram sentir em casa.
Estive no Pio XII até 1957; não direi que foi um período MUITO feliz da minha vida mas, comparado com o pesadêlo de Santo Tirso foi, como disse no início, um refrigério.  

25.3.12

Citação XVI

Navegação Ponto por Ponto: na Segunda Guerra Mundial servi como primeiro imediato num cargueiro de abastecimento do exército baseado nas ilhas Aleutas, onde o tempo era tão mau que raramente víamos o sol quanto mais a lua e as estrelas; isto fazia com que fosse quase impossível utilizar a bússola para traçar uma rota e, em vez disso, dependíamos de mapas onde tínhamos memorizado vários pontos de referência como guias, processo conhecido por "navegação ponto por ponto" que comportava riscos óbvios (não possuíamos radar). Quando estava a escrever este relato da minha vida e época desde Palimpsest, senti-me como se estivesse novamente a lidar com esses cabos e rochedos no mar de Bering, que tinha navegado tantas vezes com uma bússola que o tempo tornara inoperante.

Navegação Ponto por Ponto - Memórias 1964-2006
GORE VIDAL
Ed. Casa das Letras/Oficina do Livro - Nov. 2007 

24.3.12

A "Crise Académica" de 62



Há cinquenta anos, no dia 24 de Março de 1962, teve início uma movimentação estudantil que ficou conhecida como "Crise Académica de 1962".
"Crise" ou "Luto Académico" foram eufemismos usados para designar a greve do estudantes que, iniciada nas Universidades Clássica e Técnica de Lisboa, imediatamente alastrou às Academias de Coimbra e Lisboa.
Plenário no Estádio Universitário  
O rastilho que incendiou as Universidades foi a proibição das comemorações do Dia do Estudante por um Poder acossado e temeroso que, no ano anterior, tinha tido o seu annus horribilis: em Angola começara a Guerra Colonial, acontecera o Golpe de Beja, Botelho Moniz tentara um golpe palaciano, dera-se o assalto ao Santa Maria por Henrique Galvão, Nehru decidira-se pela invasão de Goa, multiplicavam
-se as greves na cintura industrial de Lisboa e no Alentejo.
O regime tremia. Passou rapidamente da proibição do Dia do Estudante à repressão policial: a polícia de choque entra em acção, sucedem-se cargas policiais de grande violência, prisões e espancamentos.
A greve de 62 representou um enorme salto em frente na radicalização e na politização da juventude portuguesa e daria, nos anos seguintes, os seus frutos com o envolvimento de camadas cada vez mais amplas de jovens tanto na luta clandestina como na actividade legal contra o regime.
Entre esses jovens, contava-me eu.
Desembarcado em Lisboa no ano anterior, já politicamente "consciencializado", como então se dizia,  entreguei-me com entusiasmo à actividade no seio da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa e, rapidamente, à miltância política.
A agitação académica favorecia e facilitava o trabalho e o recrutamento políticos.  
Rapidamente, estava envolvido em actividades mais "duras", para que era atraído por uma visão romântica e um pouco ingénua luta clandestina
Entretanto, tinha sido "apanhado" pela PIDE, com mais dois amigos e camaradas, quando nos preparávamos para uma noite de pintura de paredes, na campanha de agitação para a manifestação do 1º de Maio. Só passámos uma noite na PIDE que, na realidade, não se apercebeu da actividade que preparávamos.
Mas essa primeira "inscrição" do meu nome nos sinistros arquivos pidescos, teve consequências várias e que se prolongaram no tempo, com resultados geralmente desagradáveis. Um deles ocorreu pouco tempo depois: em Maio, dois meses depois do início da greve, a Polícia de Choque, comandada pelo notório Capitão Maltez, investiu contra a Cantina Universitária, no interior da qual um grupo de colegas estava em greve da fome, em protesto contra as autoridades, enquanto no exterior muitas centenas de jovens formavam um escudo destinado a proteger os grevistas da fome ou, pelo menos, a dificultar a sua prisão e identificação.
Lista de alguns presos em Caxias
Depois de algumas horas de resistência, com bastonadas e correrias à mistura, muitas centenas de estudantes foram encafuados em autocarros e divididos entre o Governo Civil e o Quartel da PSP na Parede.
Dentre esses, algumas dezenas foram, depois, remetidos para Caxias, onde permaneceram alguns dias.
Tive a honra de me encontrar entre esses poucos estudantes, escolhidos por estarem já referenciados pela PIDE.
A Crise de 62 foi um marco na vida de muitos de nós e o dia 24 de Março tem sido ininterruptamente lembrado por muitos dos participantes.
Publico, a ilustrar este post, uma foto e a cópia de um documento.
Na foto, captado no próprio dia 24 de Março, durante um Plenário de Estudantes, reconhece-se, entre outros, no segundo a contar da esquerda, sentado na bancada, Jorge Sampaio, então Secretário-Geral da RIA (Reunião Inter-Associações), orgão coordenador do Movimento Associativo em Lisboa, e, como tal, o principal dirigente estudantil, sua cara e seu porta-voz. O sexto a contar da esquerda é este vosso amigo.
O documento é a lista das pessoas que, tendo sido separadas dos restantes colegas no Quartel da Parede, nas circunstâncias que acima descrevo.
Neste 50º aniversário, as comemorações terão, sem dúvida, mais repercussão. Afinal, sempre é meio século que passou... 

23.3.12

Memória Colonial IX

 O Dr. Almeida Santos foi personagem central na vida política moçambicana no período que antecedeu o fim do regime salazarista e, depois, nos acontecimentos que se lhe seguiram.
A mais do que um título pode considerar-se que foi, também, actor e espectador privilegiado dos dramas "do colonialismo e da descolonização", como subtitulou o primeiro volume das suas "Quase Memórias".
No Moçambique colonial, integrando o grupo dos "Democratas de Moçambique", núcleo da oposição democrática que aparecia, às claras, sempre que se proporcionavam ocasiões, participando em períodos eleitorais, escrevendo ou defendendo presos políticos e nacionalistas moçambicanos; em Portugal, após a Revolução dos Cravos, como dirigente do PS, ministro em vários governos, candidato a PM, Presidente da Assembleia da República e, sobretudo, para aquilo que aqui nos interessa, figura chave no processo de descolonização enquanto Ministro da Coordenação Interterritorial dos primeiros governos provisórios, e negociador e signatário dos tratados de Independência.
O autor descreve o livro como sendo uma "digressão pelo estertor do colonialismo e pelo dossier da descolonização" e divide a sua narrativa por dois volumes com o título geral de Quase Memórias": o primeiro volume chama-se, como acima se disse, "Do Colo,nialismo e da Descolonização"; o segundo, "Da descolonização de cada Território em Particular".
Almeida Santos já tinha, em 1975, comparado a descolonização a um iceberg de que "a parte mais determinante (...) não sobrenadou a linha de água da opinião pública".
Este livro vem, segundo ele, tentar obviar a esse desconhecimento.
 Claro que Almeida Santos "escreve para a História" que considera "muitas vezes deturpada, e em consequência mal julgada". Também não assume uma objectividade absoluta, que reputa (e bem) impossível de atingir, salientando várias vezes que fala da sua verdade.
É seguro, também, que o livro desagradará a gregos e troianos; a uns porque o autor personifica, juntamente com Mário Soares e os "Militares de Abril" a figura sinistra do "traidor e vende pátrias", responsável pelo drama cósmico dos retornados e pelo seu cortejo de lágrimas, rancores e revanchismo; a outros porque o autor não deixou de ser sensível, talvez por razões geracionais, à retórica absolutória que, ainda hoje, impregna largas camadas do Povo português e que debita uma suposta "diferença" do colonialismo português, que seria menos bárbaro, mais humano e "lusotropical".
Ainda assim, o livro é interessante e, mesmo, muito importante para quem queira conhecer ao pormenor uma das fases mais complexas da História recente de Portugal.



QUASE MEMÓRIAS (2 vol.)
António de Almeida Santos
Ed. Casa das Letras/Editorial Notícias

22.3.12

Laika e Vostok

A fotografia mostra meu Pai e o meu primo Joca, em frente à casa de Montepuez, com a Laika, julgo eu. Não pode ser o Vostok porque há vários cachorros a mamar...
Desde muito pequeno, fui um devorador entusiástico de ficção científica.
Comecei, claro está, com as aventuras de Flash Gordon, passei rapidamente para Jules Verne, que devorei em doses consideráveis e, rapidamente, cheguei à Colecção Argonauta, da Livros do Brasil, a pioneira absoluta do género em Portugal.
A Argonauta, e que cheguei a ter um número apreciável de volumes, tinha uma qualidade editorial notável, com estupendos tradutores como Mário Henrique Leiria e Fernanda de Castro e capas de alta qualidade artística, com um toque surrealista que partilhavam com as capas da colecção irmã, a Vampiro, de Cândido Costa Pinto.
Lembro-me ainda dos dois primeiros números da Argonauta: "Perdidos na Estratosfera", uma space opera cheia de cor e emoção e o número 2, o inesquecível "O Estranho Mundo de Kilsona", que explorava a hipótese de o atómo, com as suas partículas subatómicas a girarem à volta do núcleo, reproduzir um sistema solar que, por sua vez, estaria integrado em vastos universos microcósmicos. E era nesses "planetas" subatómicos que se desenrolavam fantásticas aventuras que me prendiam ao livro, um dos que mais me fascinou durante a infância.
Vem isto a propósito da Laika e do Vostok.
Em 1957, teve início a Era Espacial, com o lançamento do primeiro Sputnik por um foguetão soviético Vostok. No mesmo ano, a cadela Laika (palavra que significa qualquer coisa como "Ladradora") tornou-se o primeiro ser vivo a completar uma órbita à volta da Terra.
É difícil imaginar o que estes acontecimentos significaram para todo o Mundo e, nele, para a minha imaginação de infantil leitor de ficção científica. 
Ainda hoje penso que a indiferença com que se encara a grande aventura espacial é uma estranha reacção. Talvez se tivesse passado o mesmo com as primeiras navegações marítimas; talvez os contemporâneos dos pioneiras das descobertas tenham considerado os seus feitos com alguma admiração pela sua coragem mas, certamente, impedidos pela árvore de abarcar toda a floresta, se tenham pura e simplesmente habituado a cada um dos pequenos avanços, sem consciência de que o Mundo, a Vida e a Humanidade estavam a mudar sob os seus olhos.
Mas o meu entusiasmo era enorme e a primeira cadela que tivemos após o Sputnik passou a ser uma dos milhões e milhões de Laikas que, nesse ano e nos seguintes, apareceram em todo o Mundo, cada uma delas homenagem à pequena cadelinha que ladrava, sozinha e assustado, no vazio do espaço e que foi, também, a primeira "mártir" da aventura espacial.
O primeiro macho a aparecer depois disso, chamou-se, claro, Vostok.

21.3.12

Continuemos, então.

Regresso de um país onde, durante mais de dois anos, fui, entre 1999 e 2001, espectador (e, por vezes, actor) de um dos períodos mais conturbados e violentos da sua vida como país independente.
A Guiné-Bissau, como toda a África Ocidental, tem sido palco de convulsões de toda a espécie, violências inauditas, guerras civis (e outras...) sangrentas, verdadeiros sismos políticos e sociais que a dilaceram, empobrecem e lentamente consomem.
As causas deste estado de coisas são complexas e muito variadas e é necessário resistir ao facilitismo de procurar reduzi-las a um ou dois motivos, as mais das vezes caricaturais e preconceituosas.
Trata-se de uma região com uma  História rica e antiquíssima, berço de impérios sofisticados, campo de batalha de etnias, culturas e religiões, cujos recursos - desde escravos a diamantes...- sempre atraíram as cobiças e ambições de conquistadores e aventureiros.
A Guiné-Bissau, minúscula embora, é um peão essencial de um jogo internacional em que os jogadores são muitos, as regras frequentemente infringidas e as jogadas nunca são claras.
É, também, um país fascinante e belíssimo, ao qual se adequa plenamente o chavão/lugar comum da "magia africana" e onde se concentram algumas das mais singulares belezas e características de África.
Por fim, é bom lembrar que a sua luta pela Liberdade e pela Independência, sob a condução de um dos mais brilhantes, carismáticos e admiráveis dirigentes africanos do século XX, despertou ondas de solidariedade e esperança que os anos mais recentes tragicamente vieram a estancar. 

As eleições na Guiné-Bissau decorreram com normalidade

Substituo o post que antes publiquei neste espaço por um outro menos amargo.
Na verdade, o day after da primeira volta das eleições presidenciais guineenses foi marcado por mais uma acto de violência - um assassinato - contra um dos actores político-institucionais do país.
De qualquer modo, a afirmação segundo a qual as eleições decorreram normalmente é tecnicamente verdadeira e as operações eleitorais não foram marcadas por qualquer incidente susceptível de distorcer os resultados.

16.3.12

Carnaval X

Eu com os Santos Clara, na casa da Visconde de Santarém.
A mascarada foi fora de época. O verso da fotografia indica a data: 1 de Janeiro de 1954.

15.3.12

Errâncias VI

Não sei que informações teriam meus Pais acerca do Instituto Nun'Alvres (sic) nem de onde seriam elas provenientes.
A verdade é que o Colégio jesuítico da Caldas da Saúde (Santo Tirso) gozava, nos meios conservadores e católicos, de uma reputação muito sólida e lisonjeira.
Com a expulsão dos jesuítas pelo Governo republicano, a Ordem instalara um Colégio em La Guardia, muito perto da fronteira portuguesa, em frente a Caminha. 
Quando Salazar pôs fim à proibição, logo no início dos anos 30, o Colégio foi, então, instalado nas Caldas da Saúde, também conhecidas por Caldinhas.
À entrada do Colégio, com o Turita junto ao portão
Foi aí que, certamente "para meu bem", fui internado em 1952/53.
O contraste entre o quotidiano do Natupile e de Montepuez, vivido no conforto protector da família e na liberdade dos grandes espaços africanos, e o Colégio interno, ferreamente disciplinado pelas assustadoras figuras de negras batinas, no meio de centenas de pessoas desconhecidas, os enormes e frios dormitórios, os terrores nocturnos induzidos pela doutrinação ininterrupta, cheia de imagens do eterno sofrimento do Inferno que me esperava, tendo em vista os meus imperdoáveis pecados, era, positivamente, insuportável.
O Colégio, bem integrado no espírito do Padre Inácio fundador da Companhia de Jesus, que a quis moldada como uma Ordem Militar, dividia os alunos em seis "Divisões", sendo a "Sexta Divisão" a dos mais pequenos na qual, como é evidente, eu estava integrado.
A acrescer, a funda sensação de abandono quando minha Mãe, acompanhada pela Lena e pelo Turita, voltou a Moçambique, um trauma - digo-o convicta e seriamente - me marcou para sempre.
Eu ficara "confiado" a uns "Encarregados de Educação", uma simpática e acolhedora família do Porto, a Senhora Dona Maria Amélia e o Senhor Diogo Santos Clara, residentes na Rua Visconde de Santarém e Pais de três filhos dos quais o mais novo, o Diogo Maria tinha, pouco mais ou menos, a minha idade.
 Os Santos Clara, minha família de substituição
Tenho para com eles uma dívida de eterna gratidão porque mitigaram a minha sensação de abandono e, com a sua gentileza, alegria e calor humano, conseguiram que, de quando em vez, eu me sentisse feliz.
Os Santos Clara tinham uma inofensiva excentricidade que hoje recordo com ternura: na casa da Rua Visconde de Santarém era exposta, em datas adequadas,a bandeira azul e branca da Monarquia. 
O manarquismo da família era gentil e tolerante, uma espécie de inofensiva excentricidade, e nada tinha a ver com o agressivo anti-republicanismo dos jesuítas das Caldinhas, feroz e abertamente talassas e legitimistas, que faziam anteceder, nos Anuários do Colégio e, suponho, em todos os documentos onde eles figurassem, os nomes dos filhos do pretendente ao trono - e os três eram alunos de Santo Tirso - da sigla S. A. R. significando Sua Alteza Real...
Fazendo curta uma longa história: a minha rejeição do sinistro estabelecimento era tal que, apesar dos meus nove/dez anos, fugi três vezes do Colégio. A primeira fuga terminou, ingloriamente, na Estação de combóios de Santo Tirso; a segunda, teve êxito, embora um êxito relativo, uma vez que cheguei ao Porto, donde fui recambiado no dia seguinte; a terceira, foi a mais breve pois fui apanhado pouco depois de passar o portão.
O que é certo é que a minha irredutível resistência acabou por convencer os meus Pais de que a "solução jesuítica" não tinha pernas para andar.
Ao fim de dois anos, minha Mãe voltou a Portugal e eu embarquei com ela no paquete Pátria, na viagem que já aqui relatei.






















12.3.12

Citação XV


(...) Na parábola dos mapas e no conto "Funes, o Memorioso", Borges ensaiou celebremente um argumento paralelo: a reprodução total é tão inútil como a memória total. O que somos é tão moldado pelo que lembramos como pelo que esquecemos. Pensar é generalizar, e também separar o trivial do indispensável, por vezes deixando que essa separação seja decidida á nossa revelia. A justaposição inspirada que origina uma boa ideia, uma boa frase, ou uma boa piada é tão capaz de surgir de algo que recordamos subitamente como de uma qualquer ligação que se deteriorou sem darmos por isso. O preço a pagar pela fuga gradual do passado - ter de indagar onde meti aquela cena, ou quem é aquele gajo, ou arriscar a contar a mesma piada duas vezes - é pequeno comparado com a fértil vivacidade que isso traz ao presente.
Funes tornara-se tão laborioso na arte da memória que recuperar um dia lhe ocupava um dia inteiro.
A opção sensata e equilibrada é demorar muitos anos a esquecê-lo, um interessante bocadinho de cada vez. 


Rogério Casanova
Pastoral Portuguesa
Revista LER - Fevereiro 2012  Nº 110


Rogério Casanova

11.3.12

Ausência

Parto hoje para a Guiné-Bissau, onde vou acompanhar a Campanha Eleitoral, as Eleições Presidenciais de 18 de Março e o apuramento e publicação dos resultados.
 Bissau - a Marginal.
As eleições que se têm desenrolado naquele País desde 1994, data das primeiras realizadas após a introdução do multipartidarismo, têm proporcionado um contraste algo paradoxal: embora a Guné esteja mergulhada, desde 1999, numa crise profundíssima, marcada pela instabilidade, pela violência e pelo empobrecimento, todos os actos eleitorais - e foram vários - foram pacíficas, ordeiras e transparentes e os seus resultados sistematicamente reconhecidos pela Comunidade Internacional como justos.
Não há nenhuma razão para duvidar que, desta vez, as coisas se passem de forma semelhante.
Até ao dia 21, data do meu regresso, procurarei manter o blog em actividade; contudo, não posso garantir a mesma assiduidade com que o tenho "alimentado".
Mas vou tentar.

Montepuez 2003



Encontrei este video na Internet, com a indicação de 2003 e a legenda "Filme do ex-miltar Lucio A. M. Alves".
Peço desculpa ao autor por o utilizar sem autorização prévia mas julgo que o facto de ser público no YouTube me desculpa do abuso.

10.3.12

Na praia

Obviamente, não estávamos equipados para uma ida à praia.
A Lena, que estaria a fazer?
O Turita antecipa o movimento nudista, proíbido pelo salazarismo - donde se vê que o meu irmão, ainda pequenino, já era um resistente.
Eu, de calções e suspensórios estou com um aspecto mais digno e reservado.
Não sei quem é a outra menina.
A praia deve ser em Porto Amélia.

9.3.12

Afirma a Lena (2)

Já te ia telefonar para te dizer quem era que estava na fotografia, pensei que não te lembravas do nome.
E lembras-te da mulher do Nunes dos Santos? Não te lembras do nome?
Era YVETTE!
Era tão bonita, a Senhora Dona Yvette...

Sim, Lena, dele lembrava-me muito bem e, agora que falas nisso, também me lembro da Srª. D. Yvette.


The Great White Hunter (revisto e corrigido)

 Nunes dos Santos
Quando era muito pequeno, acreditei, durante algum tempo, que a electricidade só funcionava porque havia uns anõezinhos minúsculos que viviam dentro dos fios, dos interruptores e das lâmpadas e que faziam funcionar aquela coisa que, habituado a ter só a luz nocturna dos petromax ou das fogueiras, eu achava vagamente mágica.
Com os computadores passa-se alguma coisa semelhante: acontecem coisas que que por vezes parecem magia de fadas boas e outras maldades de feiticeiras.
Com o post anterior passou-se uma dessas feitiçarias: sem saber porquê, desapareceu o texto que eu planeara para ser ilustrado pela foto (que agora repito).
Vou, por isso, identificar o fotografado: trata-se de um caçador profissional, que vivia em Balama (vizinho do Natupile, portanto) o Nunes dos Santos.
Era um homem muito moreno, de cabelo ondulado e um farto bigode e um grande caçador. Pelo menos, é assim que o recordo.  
Gosto particularmente desta fotografia e do "ar cinematográfico" do Nunes dos Santos, muito Clark Gable  em "Mogambo" ou John Wayne em "Hatari!".
Já agora: "Hatari" significa "perigo", em swahili.

7.3.12

Turita

A fotografia, algo deteriorada, foi captada no court de ténis do Club.
O fotografo, fosse quem fosse, ou não era muito dotado para essa arte ou estava descuidado: deixa que a sua própria sombra interfira, impedindo o olhar de se fixar na angélica face do bambino.
Ao fundo, outro infante, talvez segurando uma raquete, que não é possível identificar.

6.3.12

Assim falou o Turita (2)

Telefonema do meu irmão Turita:

Tu lembras-te quando o Claudino nos salvou dos fuzos, em Porto Amélia? Fomos lá ver a Académica jogar contra a Selecção de Cabo Delgado; acho que a Académica aceitou o jogo por amizade com o António Bagorro.  
Á noite, no Bar, estavam uns fuzileiros, já com os copos e mortinhos por porrada, para dar vazão à agressividade. Meteram-nos na coisa, houve uns empurrões, umas chapadas,...
O certo é que, passado algum tempo, estávamos os dois a beberricar um whiskey, entra um bando de fuzos  com ar de querer  partir aquilo tudo e a perguntar quem foi o gajo que quiz bater num fuzileiro? 
Bem, estava-se mesmo a ver que íamos levar um arraial de porrada. 
O Claudino bem tentou acalmar os gajos, explicar que éramos malta fixe, e coisa e tal...mas as bestas a nada se demoviam; então, em último recurso, o Claudino disse eh pá, se querem andar à porrada, ao menos vão lá p'ra fora, que assim não partem a mobília! 
 Meu Pai entre o Claudino (à dtª) e um militar não identificado
(clicar na imagem para aumentar)
Saímos, fomos para o passeio do meio da avenida principal de Porto Amélia, a Jerónimo Romero e os gajos atrás de nós, a mandar bocas. O Claudino sempre a tentar acalmar a matilha, que eh pá, e tudo malta amiga, pá, os gajos não queriam nada bater num fuzileiro, até gostam maningue dos fuzileiros, pá...
Nós encaminhavamo-nos para a Pensão do Cepêda, que ficava bastante mais abaixo; a certa altura, a coisa estava mesmo feia, começaram a acelerar e nós, à cinema, ficámos costas contra costas, p'ra evitar surpresas e fomos andando, um de nós às arrecuas, o mais depressa possível, com o Claudino oh malta, pá, tenham calma, são meus amigos, por que é que vocês querem arranjar problemas? 
Lá conseguimos chegar ao Cepêda. Que alívio que foi...
Lembras-te? Isto foi quando? 63, 64?

É, deve ter sido isso, Turita. Foi em 63 ou 64 e foi um susto do caraças!

5.3.12

Claudino Bagorro

O irmão mais velho, António Bagorro, apareceu primeiro por terras de Cabo Delgado. Era regente agrícola e um excelente futebolista. Circulavam, entre nós, rapaziada mais nova, histórias que íamos comentando com admiração e respeito, de que chegara a jogar na equipa principal da Académica de Coimbra, então ainda quase completamente amadora e batendo-se com os mais cotados clubes da Primeira Divisão.
Como não podia deixar de ser, era uma das "estrelas" do Atlético, disputado por clubes de Porto Amélia e de Nampula (onde, se não estou em erro, chegou a jogar).
O Claudino, era de outros futebóis e, em campo, talvez fosse, de vez em quando, árbitro substituto, quando era preciso escolhê-lo entre a assistência.
A popularidade do Claudino tornou-se imparável nos anos 60, com a chegada da tropa, quando estva à frente do bar do Teixera & Ramalho, crismado pelo novo patrão com o imaginativo nome de "Paga Já".
Esta fotografia mostra-o junto ao meu Pai, no Natupile, no meio da manada de vacas.
O cão poderia ser a Laika - o que faria dele uma cadela...

4.3.12

Futebol em Montepuez


Uma das minhas fotos favoritas, tirada com a "Clarus" em
1958, em Montepuez. Um contra luz sem filtro, que apesar do
desgaste de 50 anos aos trambolhões, ainda mostra
 a excelência da lente e do sistema de velocidade!
 

Recorro, mais uma vez, às fotografias de Celestino Gonçalves, meu velho amigo.
A legenda da foto é dele, como dele é a descrição da máquina fotográfica que usou:

a "Clarus, uma famosa máquina americana em aço inox, equipada com três lentes, uma delas teleobjectiva ideal para captar imagens a média distância. O bonito e resistente estojo em cabedal rígido, vinha repleto de pertences, tais como filtros, fotómetro, pinceis de limpeza, borracha de ventilação, etc. Era a máquina ideal para me acompanhar nas campanhas do mato que iria ter pela frente, visto que fora concebida para suportar a dureza das reportagens nas frentes de combate durante a segunda guerra mundial."

Não sou, de maneira nenhuma, um expert em fotografia e agradeço a Deus e à tecnologia as máquinas que permitem, com uma simples pressão num botãozinho, fazer fotografias aceitáveis para mostrar à família.
Mas não é difícil reconhecer a qualidade desta, sobretudo tendo em consideração a data (1958).
Não reconheço o acrobático (e elegante) guarda-redes e não lobrigo o equipamento do Atlético. 
Depreendo, no entanto, que o Atlético seria uma das equipas a jogar nesta partida.
Dentre os guarda-redes do glorioso Atlético, vem-me imediatamente à memória o António Granjeia, que me lembro bem de ver jogar muitas vezes. O seu irmão Henrique, exímio e rápido avançado, veloz e com grande poder de finta (entre outros talentos), também ocupou a baliza, certamente por algum irritante impedimento do titular.
Eram assim, os craques do Atlético: polivalentes, jogando em qualquer lugar, desde que pudessem dar uns pontapés na bola!
G'anda Atlético, a melhor equipa de Montepuez e arredores (mesmo incluindo o Arsenal de Balama) !  





3.3.12

O campo de futebol



Publiquei esta fotografia, tirada durante a viagem a Montepuez que provocou a criação e manutenção do blog  a ilustrar este post.
Na foto abaixo, pode ver-se o mesmo campo  durante uma partida de futebol em que uma das equipas era, certamente, o Clube Atlético de Montepuez.
O Clube era o centro social por excelência, como quase sempre acontece em terras pequenas.
Nele se organizavam as festas, se praticavam jogos (cartas, bilhar, "quinos", etc.), no seu bar se cavaqueava (salvo seja...) animadamente.
A criançada também se divertia e, a certa altura, não sei bem porquê, a Escola Primária  chegou a funcionar nas instalações do Clube.
Quando os tempos não iam de feição, acontecia ser algo difícil reunir nomes suficientes e vontades bastantes para compor Direcções.
Nem sempre, embora mandassem as praxes que ninguém fizesse campanha eleitoral ou, sequer, anunciasse interesse em exercer qualquer cargo.
O direito de usufruir das instalações e amenidades do Clube estavam reservados aos brancos.
Na minha primeira infância, esse facto era, para mim, um dado adquirido, uma situação natural que não merecia contestação ou espanto.
Só mais tarde, quando espírito crítico e sensibilidade trazidos pela adolescência começaram a despertar-me para a feia realidade da sociedade colonial, é que me senti agredido por essas situações.
A discriminação praticada no Clube merecia uma excepção: a partir de certa altura, alguns negros, desde que fossem "bons de bola", podiam ser incluídos na equipa de futebol.
Mas nunca, nunca, serem, por exemplo, capitães da equipa! 
Imaginem, que tolice!...

2.3.12

A "asiática"

As gerações mais novas não fazem ideia do que foi a grande epidemia da "gripe asiática" nem do pânico universal que ela despoletou.
As viagens aéreas tinham começado a ser acessíveis a grandes massas de pessoas, as comunicações por Rádio e TSF acompanhavam o tremendo progresso tecnológico do pós-guerra e, assim, a onda de alarmismo, que precedia a da gripe propriamente dita, disseminou-se a uma velocidade então inédita.  
A gripe foi, na primeira fase, detectada na China,em 1957, assim como aí foi isolado o vírus responsável.
Calcula-se que tenha havido cerca de 2 milhões de mortos e, segundo a OMS, 80% da população podem ter sido atingidos (como aconteceu comigo) o que, proporcionalmente, equivaleria hoje a 6 milhões, tendo em conta o acréscimo da população mundial.
Mesmo assim, a dimensão desse surto não é comparável à da "gripe espanhola" que grassou durante a Guerra de 14/18 e que fez 20 milhões de mortos!
É certo que as gigantescas hecatombes que têm sido profetizadas a propósito de pandemias como a das "vacas loucas", da "gripe das aves" ou da "gripe suína" não têm passado de foguetes de pólvora molhada.
Estão, de resto, por deslindar a origem, responsáveis e objectivos de tais "campanhas" que, além de poderem  fazer o papel de Pedro em relação ao Lobo, criam terreno propício a teorias da conspiração, tanto mais atractivas quanto, de facto, deixam perplexas larguíssimas camadas da população.
Mas a "asiática", como era familiarmente tratada a epidemia, foi real e grassou por vários anos, deixando um longo estendal de mortes.
Chegou à Europa vinda da América Latina mas, por infeliz coincidência, julga-se que o primeiro portador a infectar alguém em Portugal, tenha sido um passageiro do paquete Moçambique.

1.3.12

Padre Soares

O Padre Soares foi Director do Colégio Vasco da Gama, em Nampula, que frequentei em 1958/59, juntamente como o meu irmão Turita e os meus primos Beto, Lelo e Augusto José.
Deste Colégio falarei num futuro post da série "Errâncias".
 "Ao amigo Turita of. Entre rosas da minha aldeia com música de
sinos  horizontes de sonho e saudades de África.  Pe.   Soares "

A foto, como se vê pela dedicatória no verso, foi enviada ou entregue ao meu irmão.



Do Pe. Soares perdura (entre outras, claro) uma recordação muito vívida: em 1958, estando no Colégio, fui vítima da "gripe asiática".
Os meu Pais estavam em Montepuez, a quase 500 km de distância.
Já convalescente, lembro-me de o Pe. Soares entrar na enfermaria, com um largo sorriso que sempre o acompanhava. Parou ao lado da minha cama e disse, com a voz estentórea que era outra das suas características: "Recebi um telegrama da tua Mãe a dizer que não podes apanhar a gripe porque é muito perigoso para ti; eu disse-lhe que não havia problema porque havia uma maneira de não apanhares a gripe - cortar-te a cabeça!".
Não foi necessário.
Ao contrário do que se esperaria de um Director de um Colégio religioso, que eu pensava ser uma espécie de "super prefeito", disciplinador e irascível, o Pe. Soares era uma criatura simpática, um vulto protector e bem disposto.
Mas isso não o impedia de, por vezes, usar a sua considerável manápula como instrumento pedagógico.
Nessa época, os castigos físicos de crianças eram permitidos (quando não incentivados) e não ocorria a nenhum de nós que eles constituíssem algo de criminoso.