31.1.12

O primogénito

No Natupile, pouco depois do acontecimento narrado no início deste post, os orgulhosos pais exibem ao Mundo o seu prometedor rebento. Ao lado, implacavelmente removida, a Avó Amélia. Ao fundo, um vulto.
Seria já o Sulemane? Apetece-me pensar que sim, que o Sulemane já tomava conta de mim. 

30.1.12

MEMÓRIA COLONIAL VII


Carlos Vaz Ferraz é o pseudónimo literário de Carlos Matos Gomes, Coronel do Exército. 
Carlos Matos Gomes. que foi um dos "Capitães de Abril", tem-se   dedicado à literatura e à ficção.
Publicou já numerosas obras que têm a guerra colonial como tema; um dos seus livros foi adaptado para cinema e o filme, realizado por António Pedro de Vasconcelos com o título Os Imortais, obteve bastante êxito.
Escreveu o argumento do filme Portugal S.A., de Ruy Guerra,  realizador brasileiro nascido em Moçambique.
Colaborou com Maria de Medeiros no filme Capitães de Abril e é autor do guião da série de televisão Regresso a Suzalinda, baseada no romance Fala-me de África.
O título do livro aqui apresentado, Nó Cego, remete para a designação de código "Nó Górdio", a maior operação militar realizada em Moçambique durante a Guerra Colonial que decorreu em 1970, sob comando do General Kaúlza de Arriaga e envolveu 35 mil militares. O objectivo era destruir as bases da FRELIMO e neutralizar as pistas e rotas de infiltração de homens e material provenientes da Tanzânia.
O autor comandou uma Companhia de Comandos que participou naquela operação.
Nó Cego é um dos poucos grandes livros de ficção sobre a guerra colonial, um vasto fresco sobre os soldados e oficiais "transplantados" das suas terras de origem para uma África violenta, em convulsões febris na busca da sua liberdade e dignidade, sobre as angústias, os medos , os crimes que são, sempre, o pano de fundo das guerras.
Muito bem escrito, com uma linguagem depurada, recusando o sentimentalismo e o panfleto, Nó Cego é, hoje, objectos de estudos académicos e poderá vir a ficar na História da literatura portuguesa, como diz no Prefácio à ultima edição da autoria de Rui de Azevedo Teixeira, como "o nosso Por Quem Os Sinos Dobram".
A título de curiosidade, transcrevo uma passagem em que Carlo Vaz Ferraz se refere a Montepuez:

"Vinda de Angola, desembarcada do navio Império em Porto Amélia, antes de ser enviada para Mueda com a urgência dum carro de bombeiros, a companhia esteve uns curtos dias em Montepuez, o quartel da base dos Comandos, para receber o armamento e o equipamento dos lotes de intervenção.
Montepuez seria um género de residência da família no campo, o local onde deixaram arrumados nos armários verdes das casernas que lhes atribuíram as roupas civis que só seriam utilizadas nas próximas férias e os pertences inúteis que lhes recordavam o passado. (...) Não chegaram a conhecer a pequena vila no interior, situada numa área de novas plantações de algodão (...)".

Carlos Vaz Ferraz
Nó Cego
Edição Casa das Letras
(Oficina do Livro)












Fernanda e Turita

A minha prima Fernanda aturando meu irmão Turita.Julgo que a foto foi captada no court de tenis do Clube.

29.1.12

Errâncias V


Não será por isso que o dia ficará na História mas a verdade é que nasci a 4 de Setembro de 1943, na belíssima Porto Amélia, junto ao Índico, na casa  (onde também ele nasceu) mostrada na foto abaixo, enviada pelo Lelo.


Casa em que nasci em Porto Amélia, que é hoje 
uma loja de materiais de construção. 
Já antes tinha sido lojoa mas de material
 eléctrico – a Electro Pamélia.

Cedo me levaram meus pais (soa um pouco a “Menina e Moça”...) para não muito longes terras, isto é, para o Natupile.
Da minha mais tenra infância na machamba, já aqui falei.
Com a entrada na Escola, as visitas de meus Pais a Montepuez (cerca de 50 Km de distancia) tornaram-se mais frequentes, enquanto eu era acolhido em casa da Tia Conceição e do Tio Teixeira, junto dos meus primos Fernanda e Zé Maria e da Avó Nazaré (ver aqui).
Na fila de trás: uma marrussi, a Maria Cândida,
aTia Conceição e a Fernanda . Na da frente, eu e o
A.ugusto Zé
Da Escola, recordo-me de algumas aulas dadas nas instalações do Clube (o Glorioso Atlético!), talvez devido a obras no outro edifício; lembro-me do Professor Bouça, um senhor que infundia um salutar terror nos seus discípulos, ostentava umas ameaçadoras e hirsutas sobrancelhas e fazia generoso uso da “menina de cinco olhos” e da cana, esse eficiente auxiliar pedagógico.
Da casa da Tia Conceição nessa época, recordo vividamente uma cena que muito me impressionou: pela primeira vez vi uma galinha degolada a correr, às voltas, sem cabeça e sem direcção. Julgo que tive alguns pesadelos e, muito mais tarde, ao ler uma descrição assaz realista da decapitação de Luís XVI na guilhotina parisiense, afirmando o autor que os olhos e a boca do infeliz Capeto ainda se abriram e fecharam convulsivamente quando o carrasco Sansão mostrou a cabeça já decepada à populaça, revivi a cena da galinha e acreditei piamente que o rei ou, melhor, a sua cabeça sobrevivera, por instantes, à máquina do Dr. Guillotin..
A propósito de galinhas, foi também por essa altura que o gang infantil da tribo encetou uma série de experiências científicas de “hipnotização” de galináceos. O procedimento era o seguinte: agarrada a ave, metia-se-lhe a cabeça debaixo da asa e desenhava-se um círculo na areia à volta do animal, enquanto se pronunciavam, com voz cava, alguma palavras “hipnóticas”, ordenando que não ultrapassasse a linha marcada. Ora acontecia que a galinha, sendo reconhecidamente o mais estúpido dos animais, ficava quieta, sem fazer sequer qualquer tentativa de retirar a cabeça da (incómoda) posição.
Uma outra descoberta científica semelhante, na impressão causada, à da galinha sem cabeça, foi a da cauda da lagartixa que, uma vez cortada, continua a contorcer-se freneticamente durante bastante tempo. Temo que esse fenómenos tenha dado origem a alguns actos de grande crueldade praticados contra um número indeterminado de lagartixas; a única desculpa que me ocorre, é que é o experimentalismo que faz avançar a ciência e como dizia o clássico “a experiência é a madre de todalas cosas”. Era um grupo de crianças sedentas de saber e não um bando de energúmenos.
Também somos culpados do assassinato de uma pacífica cobra (não tenho a certeza se era pacífica e, provavelmente, não o era). 
Matei (ou ajudei a matar) algumas outras, a última há muito pouco tempo, na Residência da Embaixada de Portugal em Malta; mas aquela do quintal da casa da Tia Conceição foi a primeira. 
Experimentei, pela primeira vez, um sentimento que, em mim, foi sempre menos forte e apetecido do que para um grande número de pessoas: a satisfação da caça, essa manifestação ancestral que está, talvez, na nossa memoria genética (se é que isso existe).
A sensação de euforia não foi menos intensa da que tive quando, muitos anos mais tarde, abati o meu primeiro e único elefante.
“Abati” é uma forma de dizer; apesar de o primo Junqueiro me garantir que sim, mantive para sempre a desconfiança de que ele também disparara e que foi dele o tiro fatal.
A casa da Tia Conceição  é um dos lugares da minha infância cuja lembrança permaneceu mais vívida.
(Clicar aqui para ver a casa na actualidade) .


28.1.12

A tribo, mais uma vez


Já publiquei aqui  uma fotografia que deve ter sido feita na mesma ocasião: o carro é o mesmo, as crianças também, está o Almeida.
Há, porém, duas outras personagens: à direita o meu Tio António Teixeira (o "Teixeira" de Teixeira & Ramalho), prematuramente desaparecido, casado com a Tia Conceição e pai do Zé Maria e da Fernanda, que está à sua direita. À esquerda, o An´íbal, que viria a casar com a Ermelinda e, bastante depois da época da foto, haveria de instalar-se na África do Sul. Ao lado da Fernanda está a minha prima Teresa Russo Ferreira que tem a mão protectora no ombra da minha então minúscula irmã Lena. O Augusto Zé, irmão da Teresa, é abraçado por uma menina de feições estranhamente familiares (isto porque não sou capaz de a identificar). Depois está a minha prima Belita Ramalho. Por fim, empoleirado no capot do carro, este vosso amigo.


27.1.12

Festa no Natupile

De vez em quando, havia festas no Natupile. Vinham, então, verdadeiras excursões de Balama e Montepuez.
As duas fotos que ilustram este post ilustram uma dessas ocasiões.

Tenho alguma dificuldade em identificar a maioria das pessoas presentes. Na de cima, está o meu Pai à esquerda, em primeiro plano e, ao fundo, sentado "ao contrário" na cadeira, o senhor Cunha Alegre (tal como na outra foto, em que aparece do lado esquerdo).
 Na fotografia seguinte, além do já citado Cunha Alegre,  reconheço a Tia Mariana, a única senhora que está de frente para o fotógrafo. Ao fundo, um gandulo descalço, comme il faut e era a regra no Natupile, parece ser o meu primo Beto. Distingo, ainda, a minha prima Fernanda e o Almeida. O último, à direita, julgo ser o Rosa, colega e amigo do Almeida.
Nesta festa, teria acontecido, reza uma crónica, um precalço que foi, durante muito tempo, tema de conversa e gargalhada.

A Tia Irene era, já o disse neste blog, um respaldo e fornecia lugares de exílio e protecção para qualquer de nás, em caso de f´´uria adulta e risco de castigo (não creio que os filhos, Beto e Lelo usufruissem da mesma magnanimidade) e, portanto, era adorada pela criançada.
Mas, nesse dia, por medo, repugnância ou má disposição, recusou as facécias de um pequenino macaco que tinha sido adoptado por nós.
O símio, que não tinha a boa índole da Tia Irene, escorraçado por esta, tomou-a de ponta, se assim me posso exprimir.
Amuado, subiu para a árvore debaixo da qual se sentava a sua inimiga e, num acto de inqualificável desforço, atingiu-a com um vingativo chichi.

Citação XII




Se destacamos essa característica flutuante, mutável, da memória, tanto individual quanto coletiva, devemos lembrar também que na maioria das memórias existem marcos ou pontos relativamente invariantes, imutáveis. Todos os que já realizaram entrevistas de históriade vida percebem que no decorrer de uma entrevista muito longa, em que a ordem cronológica não está sendo necessariamente obedecida, em que os entrevistados voltam várias vezes aos mesmos acontecimentos, há nessas voltas a determinados períodos da vida, ou a certos fatos, algo de invariante.
É como se, numa história de vida individual - mas isso acontecei gualmente em memórias construídas coletivamente houvesse elementos irredutíveis, em que
o trabalho de solidificação da memória foi tão importante que impossibilitou a ocorrência de mudanças.
Em certo sentido, determinado número de elementos tornam-se realidade, passam a fazer parte da própria essência da pessoa, muito embora outros tantos acontecimentos e fatos possam se modificarem função dos interlocutores, ou em função do movimento da fala.

Quais são, portanto, os elementos constitutivos da memória, individual ou coletiva?

Em primeiro lugar, são os acontecimentos vividos pessoalmente. Em segundo lugar, são os acontecimentos que eu chamaria de "vividos por tabela", ou seja, acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente pertencer.

(...)

Além desses acontecimentos, a memória é constituída por pessoas, personagens. Aqui também podemos aplicar o mesmo esquema, falar de personagens realmente encontradas no decorrer da vida, de personagens freqüentadas por tabela, indiretamente, mas que, por assim dizer, se transformaram quase que em conhecidas, e ainda de personagens que não
pertenceram necessariamente ao espaço-tempo da pessoa. Por exemplo, no caso da França, não é preciso ter vivido na época do general De Gaulle para senti-lo como um contemporâneo.

Além dos acontecimentos e das personagens, podemos finalmente arrolar os lugares.

Existem lugares da memória, lugares particularmente ligados a uma lembrança, que pode  ser uma lembrança pessoal, mas também pode não ter apoio no tempo cronológico.
 Pode ser, por exemplo, um lugar de férias na infância, que permaneceu muito forte na memória da pessoa, muito marcante, independentemente da data real em que a vivência se deu. Na memória mais pública, nos aspectos mais públicos da pessoa, pode haver lugares de apoio da memória, que são os lugares de comemoração.   

MEMÓRIA E IDENTIDADE SOCIAL
Michael Pollak (1987)


26.1.12

GUERRA MARQUES III

Encontrei mais uma foto para a série "Guerra Marques": a Isabel com as meninas, na praia.

Julgo que esta é a último que tenho em minha posse mas, se aparecerem mais, vou postá-las.

25.1.12

A travessia do Rio Messalo


Quando íamos ao Nairoto, onde pontificava, como Administrador de Posto, o meu primo António de Almeida, ainda se atravessava o Messalo de jangada.



A vegetação densa, o rio que eu imaginava fervilhante de crocodilos, o parrot, tudo sugeria aventura, Edgar Rice Burroughs e "Tarzan dos Macacos" (às vezes "Jungle Jim"). 
No Nairoto havia elefantes bebés e, se bem me lembro, uma gazela. Para nós, cada ida ao Nairoto era uma festa.

A mana Lena versão anos 60



Um carimbo da Foto Portuguesa, Av. da República, 50, de Lourenço Marques, no verso da foto indica que se trata do Cliché 578/63.Mas lá que a mana era linda, lá isso era...
E continua a ser.aption

24.1.12

Errâncias IV


Meu Avô António Augusto e meu Pai chegaram a Moçambique nos idos de 1930.
Nessa altura (e até bastante tarde na história do colonialismo português) era exigida, a quem quer que desejasse emigrar para as possessões coloniais, uma “carta de chamada”, uma espécie de termo de responsabilidade de alguém já lá instalado.
Algodão no Natupile-meu Pai à direita
A “carta de chamada” não era mais do que uma forma de manter sob rigoroso controlo do Estado a população branca que iria,  em nome da “nação portuguesa”,na linguagem pomposa do Acto Colonial de 1930, “desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendam”.
O responsável da “carta de chamada”  foi um parente, cunhado de minha Avó Amélia, o Tio Sobral.
Este era uma figura invulgar, um velho pioneiro larger than life, casado com a Tia Ana Sobral, de quem se dizia ter sido a primeira mulher branca a habitar, de forma permanente, o norte de Moçambique.
A Lena num Pomar no Natupile
Originários de Freixo de Espada à Cinta, deram o nome de Nova Freixo à Vila de Cuamba,  o que perdurou até 1975, quando, por fim, a povoação voltou à sua inicial e legítima designação.
Os bustos deste casal ornamentaram o principal jardim de Cuamba e eles foram, durante muitos decénios, uma espécie de patronos da Vila, os principais proprietários agrícolas e do comercio da região.
Este Tio Sobral tinha decidido abandonar a zona de Montepuez.
Deixou, então, uma machamba que possuía, o Natupile, a meu Pai.
Pé descalço e boa-vai-ela-Turita e eu
Rezam as crónicas que terá dito a meu Pai: “Agora, governa-te...”.
O Natupile foi, desde a primeira infância, uma espécie de “lar primordial” – mesmo quando vivíamos em Montepuez, eu sentia que estávamos de passagem, que a nossa estadia não era permanente porque a “casa” a verdadeira casa, era o Natupile.
A minha Irmã Maria Helena nasceu no Natupile e , juntamente com ela e com o Turita, foi lá que vivi os primeiros anos da meninice.
Lá li as primeiras revistas (“O Mosquito”, o “Mundo de Aventuras”) e os primeiros livros (Salgari, Paul Féval, Ponson du Terrail, Dumas).
Lá disparei a primeira pressão de ar, uma Diane, e a primeira espingarda a sério, a Flaubert .22; lá brinquei, tive medo das feras (quando um leão rugia, os “crescidos” diziam que “o leão está a cantar”, uma forma de afastar o terror nocturno inspirado pelos animais selvagens), encantei-me com os primeiros "bichos", cães, gazelas e periquitos.
O som de um motor de automóvel ouvia-se a dez ou quinze quilómetros de distancia e desencadeava uma enorme excitação, porque significava que provavelmente íamos ter visitas.
Nenhum dia era igual ao outro, embora, na minha infantil imaginação, eu confundisse sossego com monotonia.  
O Natupile era a “casa” e era para lá que voltámos sempre.  



23.1.12

Civis, eclesiásticos e militares

Da esquerda para a direita, o Coronel Ermida, comandante de uma unidade militar estacionada em Montepuez, o Bispo de Porto Amélia, meu Pai e um segundo eclesiástico que julgo ser o Arcepispo Custódio e Alvim de Lourenço Marques.
Durante a guerra, a Igreja moçambicana revelou-se muito dividida: bispos como o de Nampula D. Manuel Vieira Pinto e o da Beira D. Sebastião Soares de Resende, secundados por um bom número de padres e intelectuais católicos, tomaram firmes e corajosas atitudes públicas de denúncia do colonialismo e, sobretudo, das violações sistemáticas dos Direitos Humanos que incluíam torturas, assassinatos, massacres de civis e outras violências.
Alguns pagaram caro essa atitude, foram perseguidos, expulsos, presos, vilipendiados na praça pública, como se pode ver pelo ignóbil panfleto que circulou pela colónia.
Com a prestimosa ajuda de muita gente, a PIDE e os poderes públicos não deram tréguas a esse sacerdotes e freiras.
Mas outra parte da Igreja, solidária com aquela que em Portugal sempre serviu de escudo e lança a Salazar, apoiou o regime, silenciou atrocidades, tomou partido pelos opressores contra os oprimidos, pelos fortes contra os fracos, pelos verdugos contra "aqueles que têm fome e sede de justiça".

22.1.12

Onde será?



Os meus Pais com o Turita. Não reconheço o 
local mas ao fundo aparecem vultos de branco, 
alguns dos quais parecem ser padres. À esquerda,
miúdos negros, curiosos, observam, talvez, os
forasteiros.

21.1.12

As duas Tias

A Tia Irene e a Tia Aninhas.
Há imagens que nos interpelam de uma forma curiosa.
Esta fotografia mostra duas das minhas tias num local que não é identificável (por mim), sentadas no que parecem ser bancos de cozinha, ao ar livre.
Ambas sorriem, aparentemente sem se darem conta que estão a ser fotografadas, sem qualquer sugestão de "pose".
Estão a observar um acontecimento, isso parece claro - poderá ser uma festa, um jogo, um espectáculo, talvez crianças a brincar.
O que se estaria a passar? Que estariam a pensar? Haveria comentários, entre elas, sobre aquilo a que assistiam?
Não devia ser nada de misterioso, uma vez que tudo se passa no exterior de qualquer casa ou edifício; mas terá havido consequências importantes (ou interessantes), tristes ou felizes do que quer que seja que contemplam?
Se eu quisesse ser pomposo, diria que, a partir daqui, podia escrever um romance. Policial, por exemplo.

20.1.12

11 anos

Uma inscrição no verso indica a data da fotografia, o dia em que fiz 11 anos.
Não sei onde foi feita mas, nesse ano, terminou o martírio do Colégio das Caldinhas e voltei a Moçambique, para os Maristas de Lourenço Marques.
Elegante no fatinho com calções, abrilhantinado ("brylcreemizado", diria o O'Neil), orelhudo e feliz.

19.1.12

Os Cunha Alegre


No post anterior mencionei o pai Cunha Alegre, a Manela e o Toninho.
Nesta fotografia vê-sa, à esquerda a Srª. D. Maria Luísa Cunha Alegre.
Do lado direito, a minha Mãe.

18.1.12

Carnavais VII

Que me perdoe o leitor deste blog (sei que há um...) o estado lastimável da fotografia, fruto do meu descuido, de viagens sem fim por esse mundo fora e da humidade.



Mas não resisto a publicá-la.
Na fila da frente, as crianças, a Manela Cunha Alegre e o seu irmão "Toninho", um sacristão de batina às bolas.
Na segunda fila, à esquerda a Tia Irene, alguém que a qualidade da foto não permite reconhecer, a Tia Tio Ramalho de elegante chapéu e vestido de alças, à sua frente, quase na fila das crianças, a Tia Aninhas e, a seguir a Srª. D. Dilar, julgo eu.
Na fila de trás, agora a começar na direita, o senhor Cunha Alegre, o rapagão de preto é a Belita, minha prima, e o quinto é meu Pai, de chapéu alto branco.
Renovo o apelo (nunca correspondido) para que me ajudem a identificar pessoas.
Por favor, solitário leitor, ajuda, socorro!


17.1.12

Amor fraternal 5

Em Figueira de Castelo Rodrigo, terra natal de minha Mãe.
Não consigo datar (visitava Portugal pela primeira vez) a foto mas lembro-me do orgulho de envergar as primeiras calças compridas, embora de golfe...
Mais tarde, odiei ser obrigado a vesti-las; fui objecto de gozo da miudagem e houve choro e ranger de dentes por mais de uma vez.
Também me lembro do frio insuportável e de ter frieiras, pela primeira e última vez . Lembro-me do conforto de lareiras e braseiras, artefactos estranhos e exóticos aos meus olhos de criança nascida em África.

16.1.12

Errâncias III



O Sulemane comigo ao colo (detalhe de uma foto) 
O Sulemane acompanhou-me durante toda a minha infância.
Estava encarregado de velar pela minha segurança, em primeiro lugar, mas também pelo meu bem-estar. Encargos pesados, que incluíam defender-me de outros e outras coisas e de mim próprio, assegurar-se de que a alimentação era minimamente aceitável (evitar, por exemplo, que metesse na boca objectos ou materiais inadequados…), tarefas, enfim, de alta responsabilidade e de execução nem sempre fácil.
O Sulemane fazia tudo isto com bonomia, um permanente sorriso e uma dedicação total.
Foi envelhecendo ao meu lado, sempre presente e sempre protector.
Era muçulmano (o nome, corruptela do arábico Suleimane que, por sua vez, traduz o nome Salomão) embora, na época, isso nada significasse para mim.
Deixei de vê-lo, se bem me recordo, quando vim para Portugal e para o Colégio de Stº. Tirso, nos idos dos anos cinquenta.
Terá morrido por essa altura.
Ao longo da minha vida, pensei muitas vezes nele. Sempre com saudade.

15.1.12

Errâncias II


Minha Avó Amélia (Teixeira Dias), nasceu em 1887, em Freixo de Espada à Cinta.
Quando meu Avô morreu, em meados dos anos cinquenta, deixou Moçambique e voltou a Portugal, onde passou a viver em casa da filha mais nova, a Tia Fernanda.
Para mim, como já escrevi antes, tinha uma aura romanesca que nem mesma a sua pequena estatura e o envelhecimento prejudicaram.
Devo-lhe, sei-o agora, o gosto pelos livros e pela literatura, amores para os quais despertei muito jovem.
Sobreviveu por muitos anos ao seu marido e morreu, já depois de 1974, na casa de minha Tia Fernanda, na Avenida Columbano Bordalo Pinheiro.
Meu Pai estava em Portugal, onde viera passar algum tempo.
Impressionou-me muito vê-lo chorar.

14.1.12

A piscina, outra vez

Na piscina do Natupile, outra vez.
À direita, o meu Pai; depois, a Belita, o Tio Ramalho (seu Pai), o Beto com a bóia/pneu.
No canto, o Lelo ou o Turita.

Na Praia do Wimbe




O meu Pai, fitando o Índico, na praia do Wimbe.
A atitude não parece espontânea e assemelha-se a uma pose.
Isso estaria de acordo com o temperamento artístico do fotógrafo  que imaginou o enquadramento...

13.1.12

Identificando




Volto a uma fotografia que já utilizei anteriormente para identificar algumas das pessoas que nela aparecem.
À esquerda, o meu Avô paterno António Augusto Dias e, a seu lado, o Sulemane, o homem que "tomou conta de mim" durante uma boa parte da minha infância, meu guardião e protector, comigo ao colo.
Na fila da frente os meus primos Júlio Ramalho e a sua irmã Belita e Joaquim Russo Ferreira com a irmã Teresa.
À direita, também ao colo , um bebé que deduzo ser o meu primo Augusto José Ferreira.

A fotografia datará de meados dos anos 40 e deve ter sido feita no Natupile.



12.1.12

Sobrinhos


À porta da casa de Montepuez, a Carla com o Luís e o Jorge e as respectivas "macaiais".(*)
E não é que estão quase iguais?!

(*) Macaiaia - palavra macua que designa as jovens que tomam conta das crianças. São "marrussi" e não "m'tiana"...



11.1.12

Guerra Marques II

Reencontrei as "crianças" Guerra Marques (ver aqui).
Publico, hoje, mais algumas fotos das meninas. Numa delas, vê-se o meu Pai.

Mostro, também, o verso das restantes, com as dedicatórias manuscritas pela Isabel.
Felicidades!



10.1.12

Errâncias I



De meu Avô paterno guardo o nome, alguns traços fisionómicos e, sobretudo, a minha primeira memória consciente: estou sentado no chão, provavelmente na varanda do Natupile, o Avô está ao pé, sentado num cadeirão com almofadas; aproxima-se um cão; não tenho medo mas o Avô enxota o animal. Fico desiludido porque queria brincar com ele.
Morreu em 1955 ou 56, estava eu no Colégio de Stº. Tirso e essa foi a primeira morte no círculo familiar mais próximo.
O que sei dele, da sua vida, da sua personalidade, das suas histórias é uma mistura de lembranças isoladas e imprecisas, como a que relato acima, de fragmentos de conversas e, provavelmente, de muitas memórias reconstruídas que podem ser, por isso, interpretações subjectivas.
Seja como for, ele tinha para mim uma dimensão aventureira e quase camiliana que se baseava numa história de amores contrariados, raptos e fugas nocturnas. Assim, pertencendo a uma classe desfavorecida, o jovem António Augusto, sapateiro de profissão, tomou-se de amores, que foram correspondidos, pela bela Amélia, que pertencia a famílias com alguns pergaminhos, muito orgulhosa (minha Avó ainda o era) dos seus laços de parentesco com a celebridade regional e nacional, o seu conterrâneo poeta e político Abílio Guerra Junqueiro, o d’“A Velhice do Padre Eterno” e do “Finis Patriae”.
Não sei se o meu Avô o faria mas estou seguro que minha Avó Amélia lia as novelas de Camilo e outros relatos romanescos; poesia, essa lia certamente e lembro-me de a ouvir dizer versos de grandes poetas, que me estimulava a decorar, alguns dos quais nunca mais esqueci, como o “Camões comparado / aos mais escritores / nem entre os maiores / foi sempre igualado”, o soneto de João de Deus.
Terá sido ela, imbuída de espírito folhetinesco, a idealizar o rapto e a fuga?
Creio lembrar-me de referências a uma tentativa de emigração para o Brasil mas não sei em que altura da vida, se antes ou depois do romântico rapto; na verdade, não sei mesmo se a tentativa aconteceu.
Quanto aos amores contrariados e ao rapto, julgo serem recordações mais sólidas mas, ainda assim, talvez coloridas pela minha própria imaginação romanesca…
Mas o que é certo é que o casal teve três filhas Eugenie e Claudine (na forma francesa, nacionalidade que adoptaram por terem ficado a viver em França), mais velhas que o meu Pai, e uma mais nova, Fernanda, nascida naquele país mas que regressou a Portugal, onde foi Professora de francês, ( no Liceu Charles-Lepierre, por exemplo).
Conheci as três – as duas primeiras durante a minha primeira longa estadia em França, a última em Lisboa, onde nos acolhia.
Com ela passou a viver a Avó Amélia quando enviuvou.
Com laivos de folhetim romântico ou não, o casamento de Amélia e António produziu, entre os seus frutos, o pequeno Artur Augusto, nascido às duas horas e trinta minutos do dia Primeiro de Dezembro de 1913.
A família emigrou para França alguns anos depois, quando a paz se instalou na Europa, depois da hecatombe de 14/18. Sei que habitou Lyon.
Em França, o meu Avô António Augusto subiu um degrau na escada da ascensão social: a guerra deixara milhares de estropiados e o jovem (e talentoso, presume-se) sapateiro tornou-se um artesão protésico, executando trabalhos para os mutilados da guerra.
Meu Pai e as irmãs, como acontece com a maioria dos emigrantes portugueses, adaptaram-se com facilidade ao novo país; falavam, claro, o francês melhor do que o português.
Eram os tempos em que a “Escola era risonha e franca”, expressão que meu Pai usava muito, bebida no poema francófilo e franco-patriótico de Alberto Antunes, um dos que a Avó recitava, embalada de nostalgia.
Mas a euforia da Paz que pusera termo à “guerra para acabar com todas as guerras” foi-se esvanecendo; os anos vinte e trinta assistiram ao avolumar das nuvens escuros que prenunciavam um nova e terrível tempestade europeia. Meu tinha sede de aventura e, nessa época, a última fronteira era África.

9.1.12

Mais tribo...

Foto enviada pelo Lelo
A fotografia data de 1956 ou 57.
É tirada na entrada da casa da Tia Irene e do Tio Rocha, tantas vezes lugar de refúgio da ira paterna, despertada por algum disparate. Ali, com a cumplicidade da Tia Irene, esperávamos que a passagem de algum tempo, ou mesmo a intervenção da Tia, atenuasse a punição.
Dos presentes, tenho a certeza da Avó paterna   e do Lelo, dos próprios, da Tia Irene (julgo lembrar-me do vestido - encarnado, às bolas brancas; o Tio Rocha está atrás da Tia e da sua Mãe. Ao lado esquerdo, na zona de sombra o Beto e, do lado esquerdo, arrisco o Aníbal (mas sem certezas).
Alguém me ajuda?

6.1.12

O Tio Rocha






O Tio Aires Rocha tinha um sotaque madeirense que nunca perdeu completamente e que, complementado por um permanente sorriso trocista, era uma marca distintiva muito pecular.
Quase sempre trajava de branco e o Lelo, seu filho mais novo, legendou esta foto definindo a calça e a balalaica brancas como o traje de que mais gostava.

Mas também me lembro de o ver de fato branco, talvez em ocasiões mais formais.
Já falei dele, a propósito do bar do Teixeira & Ramalho e do aperitivo de antes do almoço, o último whisky pedido já depois do quotidiano recado do empregado que vinha visar "patrão, senhora manda dizer que almoço está na mesa".
Era casado com a Tia Irene, a mais nova das cinco irmãs e minha Mãe antecedia-a na escada descendente das idades.
Dos filhos, Adalberto (Beto) e Lelo (Aurélio, já falei várias vezes e mostrei fotografias, como esta aqui.
Foi em casa deles, em Porto Amélia, que nasci, num dia auspicioso...

5.1.12

Problema

Um problema técnico com o scanner impede que se possam utilizar imagens durante algum tempo. De qualquer forma, vou deambular por aí durante os próximos dias e transporto apenas o IPad. Como a prosa não se pretende de enorme qualidade, corro o risco de tornar menos aliciante a leitura do blog... Prometo tentar, muito em breve, voltar a utilizar tecnologia adequada.

4.1.12

Piquenique na serra




Recorro, mais uma vez, às fotografias do meu amigo Celestino Gonçalves, a quem, esperando que continue a visitar este blog envio os desejos de felicidades para 2012, estendidos, claro, à Senhora Dona Lurdes.
A foto refere-se a um piquenique na serra e data de 1958.
Nesse ano, eu estudava no Colégio Vasco da Gama, de Nampula.
Creio não ter participado no passeio, pelo menos não me lembro de tal ter acontecido.
Na fotografia, da esquerda para a direita: o Chefe dos Correios, Manuel dos Santos, futuramente marido da minha prima Belita Ramalho; não identifico a pessoa no primeiro plano, a olhar para trás; o meu Pai; por razões óbvias, também não conheço a pessoa seguinte; reclinado, de óculos escuros, creio ser o Dr. Pires; por fim de camisa escura e chapéu, o meu Tio Joaquim Ramalho, várias vezes mencionado, a última das quais AQUI.
!958 foi o ano das eleições em que foi candidato o General Humberto Delgado. Lembro-me que, para grande inquietação dos reverendos padres do Coléio, se repetia, a cada intervalo, a organização de uma roda à volta de colega calmeirão e bem disposto que se prestava a agradecer com gestos exuberantesas aclamações da malta que gritava o seu nome "Humbertooo! Humbertooo! Humbertoo!..."
O que será feito do Humberto (cujo apelido se me varreu da memória)?

3.1.12

MEMÓRIA COLONIAL VI



O actual Secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, nasceu em Vila Nova de Foz Côa e nunca, ao que parece, viveu permanentemente em Lourenço Marques ou em qualquer outro ponto de Moçambique. 
Segundo as suas próprias palavras, antes de escrever o livro de que aqui falo, só visitou Moçambique cinco vezes, quatro delas para prepara a obra.
E, no entanto, quem ler o seu romance ( policial? ) "Lourenço Marques" (Edições ASA, 2002) e não conhecer esse facto ou a biografia do autor, pensará que se trata de alguém com fortíssimas ligações à cidade que dá o nome ao livro e, certamente, de alguém que aí mergulhou fundo na vida, durante os anos sessenta e setenta.
Se esse leitor desprevenido tiver conhecido a Lourenço Marques dessa época, encontrará tantas referências familiares, tantos nomes de pessoas e locais, tantas expressões que não duvidará estar em presença de alguém que talvez tenha conhecido e que se abriga, agora, atrás de um pseudónimo.
Como já disse, não é o caso.
O livro parte de um enredo policial, género muito utilizado pelo autor, mas é na verdade, um exercício de "memória reconstruída" (de que já tenho falado neste blog) pelo personagem principal, Miguel, que volta, depois de vinte anos, a Moçambique, numa demanda quase mística de uma mulher que conhecera na "antiga" Lourenço Marques e que procura por todo o país (Maputo, Beira, Pemba, Ilha de Moçambique, Nampula, Lichinga...) e que é na verdade, a peregrinação aos locais da memória.
É claro, "o poeta é um fingidor" e esta nostalgia que Miguel sente não é a do autor, como não são do autor as recordações plasmadas no texto; esta nostalgia, estas recordações, são a busca de uma "cidade perdida" e um pouco mítica, "a Cidade das Acácias" envolta no "Azul do Índico" ( título da edição brasileira), uma cidade localizada num país que só sobrevive na memória dos que a (e lá) viveram.
Para escrever este livro, Francisco José Viegas deve ter feito intensíssimas e exaustivas pesquisas, consultado muitos documentos, ouvido muitas memórias.
Percorrem o livro pormenores como os nomes da equipa completa de basquete do Sporting de Lourenço Marques, de locutoras do Rádio Clube de Moçambique, do famigerado "Zeca Russo",  locais como o Piri-Piri, a Cristal, o Hotel Cardoso, expressões idiomáticas que são habituais, como "maningue" ou "kanimambo" mas também outras como "canganhiça", "xicuembo" ou "uma quinhenta", que já o são menos
Leiam-se, por exemplo, esta passagens (de que consta o nome de Cansado Gonçalves que eu já tinha citado AQUI;

(...) tenho saudades de Quelimane, de Mocuba, de Gurué, que nomes eu te atirava à cara, o nome dos miúdos que andaram no Liceu Pêro de Anaia, na Beira, as histórias das raparigas da Bartolomeu Dias, em frente às Torres Vermelhas (...) um abraço maningue apertado, gente chunguila, sem canganhiça, que nomes eu te atirava à cara, Venda. Tchova, tchova! Tchova a memória. Os nomes do professor Pinto dos Santos, Heliodoro Frescata, Cansado Gonçalves, Domitila Apolinário, Elisa Gouveia, Prata Dias, Zeca Afonso, o advogado Barradas a perseguir os fiscais da câmara e da polícia por causa das multas de estacionamento que ele julgava ilegais.

E, contudo, nesta memória reconstruída de Lourenço Marques não perpassa qualquer simpatia pelos "bons velhos tempos" ou branqueamento da sociedade colonial, ainda que se diga, a certa altura que a cidade agora é suja, "com merda onde deviam estar flores", consequência nefasta (entre outras) da guerra civil e da catastrófica experiência "socialista".
Francisco José Viegas escreve bem, escorreitamente. A história policial que serve de enredo ao romance é interessante e prende a atenção do leitor.
Mas...vou arriscar, talvez sem razão: só sentirá plenamente o prazer da leitura deste livro quem tiver vivido, ainda que por interposta pessoa, em Moçambique ou em Lourenço Marques ou mesmo em Maputo

Francisco José Viegas
"Lourenço Marques"
Edições ASA (2002)