De meu Avô paterno guardo o nome, alguns traços fisionómicos e, sobretudo, a minha primeira memória consciente: estou sentado no chão, provavelmente na varanda do Natupile, o Avô está ao pé, sentado num cadeirão com almofadas; aproxima-se um cão; não tenho medo mas o Avô enxota o animal. Fico desiludido porque queria brincar com ele.
Morreu em 1955 ou 56, estava eu no Colégio de Stº. Tirso e essa foi a primeira morte no círculo familiar mais próximo.
O que sei dele, da sua vida, da sua personalidade, das suas histórias é uma mistura de lembranças isoladas e imprecisas, como a que relato acima, de fragmentos de conversas e, provavelmente, de muitas memórias reconstruídas que podem ser, por isso, interpretações subjectivas.
Seja como for, ele tinha para mim uma dimensão aventureira e quase camiliana que se baseava numa história de amores contrariados, raptos e fugas nocturnas. Assim, pertencendo a uma classe desfavorecida, o jovem António Augusto, sapateiro de profissão, tomou-se de amores, que foram correspondidos, pela bela Amélia, que pertencia a famílias com alguns pergaminhos, muito orgulhosa (minha Avó ainda o era) dos seus laços de parentesco com a celebridade regional e nacional, o seu conterrâneo poeta e político Abílio Guerra Junqueiro, o d’“A Velhice do Padre Eterno” e do “Finis Patriae”.
Não sei se o meu Avô o faria mas estou seguro que minha Avó Amélia lia as novelas de Camilo e outros relatos romanescos; poesia, essa lia certamente e lembro-me de a ouvir dizer versos de grandes poetas, que me estimulava a decorar, alguns dos quais nunca mais esqueci, como o “Camões comparado / aos mais escritores / nem entre os maiores / foi sempre igualado”, o soneto de João de Deus.
Terá sido ela, imbuída de espírito folhetinesco, a idealizar o rapto e a fuga?
Creio lembrar-me de referências a uma tentativa de emigração para o Brasil mas não sei em que altura da vida, se antes ou depois do romântico rapto; na verdade, não sei mesmo se a tentativa aconteceu.
Quanto aos amores contrariados e ao rapto, julgo serem recordações mais sólidas mas, ainda assim, talvez coloridas pela minha própria imaginação romanesca…
Mas o que é certo é que o casal teve três filhas Eugenie e Claudine (na forma francesa, nacionalidade que adoptaram por terem ficado a viver em França), mais velhas que o meu Pai, e uma mais nova, Fernanda, nascida naquele país mas que regressou a Portugal, onde foi Professora de francês, ( no Liceu Charles-Lepierre, por exemplo).
Conheci as três – as duas primeiras durante a minha primeira longa estadia em França, a última em Lisboa, onde nos acolhia.
Com ela passou a viver a Avó Amélia quando enviuvou.
Com laivos de folhetim romântico ou não, o casamento de Amélia e António produziu, entre os seus frutos, o pequeno Artur Augusto, nascido às duas horas e trinta minutos do dia Primeiro de Dezembro de 1913.
A família emigrou para França alguns anos depois, quando a paz se instalou na Europa, depois da hecatombe de 14/18. Sei que habitou Lyon.
Em França, o meu Avô António Augusto subiu um degrau na escada da ascensão social: a guerra deixara milhares de estropiados e o jovem (e talentoso, presume-se) sapateiro tornou-se um artesão protésico, executando trabalhos para os mutilados da guerra.
Meu Pai e as irmãs, como acontece com a maioria dos emigrantes portugueses, adaptaram-se com facilidade ao novo país; falavam, claro, o francês melhor do que o português.
Eram os tempos em que a “Escola era risonha e franca”, expressão que meu Pai usava muito, bebida no poema francófilo e franco-patriótico de Alberto Antunes, um dos que a Avó recitava, embalada de nostalgia.
3 comentários:
Boa noite
Super admirada fiquei e caso tenha interesse contacte-me pois a sua avó Amélia era uma das irmãs da minha avó materna.
Bela surpresa !
anapaulapais62@gmail.com
Contribuição do meu primo Fernando Dias Padrão :
"Sim a minha mae contava essa historia do rapto da nossa Avó pelo Avô .A historia q.contas no teu blog e bastante interessante .tb dizia ser o nosso Avô filho incognito dum nobre espanhol ( conde ou duque Linhares e de sua criada ) Quanto a minha mae nasceu em Freixo de Espada a Cinta e foi ainda bebe para França onde passou a maior parte da sua vida internada por bacilo k.e educada por freiras. Ainda havia outra irma Helena q. morreu com tuberculose. Vou cruzar estes dados com a nossa prima Helena fiha da tia Eugenia. UM ABRAÇO"
Da Wikipédia"
"En Portugal existía el Condado de Linhares, que ostentaba la familia purtuguesa de Noroña (Noronha en Portugués). Este título portugués había sido creado por el rey de Portugal Juan III, para Antonio de Noroña, hijo del I marqués de Villa-Real (también título portugués, diferente al Marquesado de Villareal español de 1838), y que en 1609 recayó en Miguel de Noroña, como heredero de su tío Fernando de Noroña, pasando a ostentar el título portugués de Conde de Linhares.
Al permanecer fiel, Miguel de Noroña, a Felipe IV, que dejó de ser rey de Portugal en 1640, éste le otorgó como título de Castilla el título de Conde de Linares en 1643. Este Condado de Linares fue, por tanto, al ser de nueva creación en Castilla, independiente del Condado de Linares portugués.
El título de Conde de Linares, creado por Felipe IV, en 1643, dejó de existir como título del reino en 1667, al ser elevado, por Carlos II a la dignidad de Ducado de Linares a favor de Miguel de Noroña y Silva."
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