27.1.12

Citação XII




Se destacamos essa característica flutuante, mutável, da memória, tanto individual quanto coletiva, devemos lembrar também que na maioria das memórias existem marcos ou pontos relativamente invariantes, imutáveis. Todos os que já realizaram entrevistas de históriade vida percebem que no decorrer de uma entrevista muito longa, em que a ordem cronológica não está sendo necessariamente obedecida, em que os entrevistados voltam várias vezes aos mesmos acontecimentos, há nessas voltas a determinados períodos da vida, ou a certos fatos, algo de invariante.
É como se, numa história de vida individual - mas isso acontecei gualmente em memórias construídas coletivamente houvesse elementos irredutíveis, em que
o trabalho de solidificação da memória foi tão importante que impossibilitou a ocorrência de mudanças.
Em certo sentido, determinado número de elementos tornam-se realidade, passam a fazer parte da própria essência da pessoa, muito embora outros tantos acontecimentos e fatos possam se modificarem função dos interlocutores, ou em função do movimento da fala.

Quais são, portanto, os elementos constitutivos da memória, individual ou coletiva?

Em primeiro lugar, são os acontecimentos vividos pessoalmente. Em segundo lugar, são os acontecimentos que eu chamaria de "vividos por tabela", ou seja, acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente pertencer.

(...)

Além desses acontecimentos, a memória é constituída por pessoas, personagens. Aqui também podemos aplicar o mesmo esquema, falar de personagens realmente encontradas no decorrer da vida, de personagens freqüentadas por tabela, indiretamente, mas que, por assim dizer, se transformaram quase que em conhecidas, e ainda de personagens que não
pertenceram necessariamente ao espaço-tempo da pessoa. Por exemplo, no caso da França, não é preciso ter vivido na época do general De Gaulle para senti-lo como um contemporâneo.

Além dos acontecimentos e das personagens, podemos finalmente arrolar os lugares.

Existem lugares da memória, lugares particularmente ligados a uma lembrança, que pode  ser uma lembrança pessoal, mas também pode não ter apoio no tempo cronológico.
 Pode ser, por exemplo, um lugar de férias na infância, que permaneceu muito forte na memória da pessoa, muito marcante, independentemente da data real em que a vivência se deu. Na memória mais pública, nos aspectos mais públicos da pessoa, pode haver lugares de apoio da memória, que são os lugares de comemoração.   

MEMÓRIA E IDENTIDADE SOCIAL
Michael Pollak (1987)


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