28.11.11

Apontamento sobre as origens históricas de Montepuez (6)


A população de Montepuez pertence ao grupo étnico (eu prefiro dizer grupo socio-cultural) Medo ou Meto. Na área do Distrito, com a população Macua-Medo coabitam dois clãs ajaua: um na sede (regedoria Mepima) e outra em Namuno (regedoria Macande). A sul, numa faixa de 25 quilómetros de profundidade marginando o rio Lúrio e na área do posto de Namuno, habita um grupo Macua.

Bandeira da Cidade de Montepuez
A planta comercial da povoação só foi aprovada em 1950, pela portaria nº 8.375 de 20 de Maio desse ano. A povoação teria que aguardar mais cinco anos até ver aprovadas as suas plantas geral e especial[1]. Em Março de 1959 foi extinta a circunscrição de Montepuez e criado em sua substituição o Concelho com o mesmo nome. A mesma portaria dotou o Concelho de uma comissão municipal e a consequente elevação da povoação de Montepuez a vila[2]. Em 1962, é concedido à vila de Montepuez o privilégio de usar escudo e armas e bandeira própria[3].

Nota minha: a 8 deOutubro de 1971, Montepuez foi elevada à categoria de Cidade e, em consequência, a 10 de Janeiro de 1972, a Portaria 9/72, adapta o seu Escudo de Armas, a Bandeira e o Selo que passam a ser:
"Armas: de negro carregado de três cápsulas de algodão de prata, surtidas de pedúnculos de verde e ouro. Coroa mural de prata de cinco torres. Listel branco tendo inscrito, em caracteres negros, «Cidade de Montepuez».Bandeira: gironada de branco e verde, cordões e borlas de prata e verde. Lança e haste douradas.Selo: dentro de listel circular com as palavras «Câmara Municipal de Montepuez», a mesma composição de armas sem a indicação dos esmaltes."

A maioria da população do actual Distrito de Montepuez segue os ritos e práticas animistas. Porém, é importante considerar, numa percentagem significativa, os seguidores do Islão. A religião islâmica, cuja presença na costa é secular (e, por isso, mais influente do que no interior), teve grande aceitação entre os Medo por muitas das suas práticas e preceitos se conciliarem com as práticas culturais locais. Isso talvez explique as práticas sincretistas a que facilmente aderem os Medo, que assim mantêm quase intactas as suas práticas animistas. Mas, sincretismos há-os na região, como aliás em todo o Moçambique, de várias origens religiosas!

O cristianismo começou as suas incursões na região ainda no século XIX, quando, em 1893 se noticia uma tentativa da Igreja Católica de fundar no Medo uma missão, por iniciativa do prelado António Barroso. Em 1906, a IC, através do Bispo D. Francisco Ferreira da Silva, volta a manifestar a necessidade de se criar na região uma missão católica. Porém, é só em Maio de 1921 que chegam a Namuno os primeiros padres missionários, provavelmente holandeses, vindos da Niassalândia (hoje Malawi).

Está ainda em actividade na região do Medo, a missão de São José (Montepuez)[4], que durante muitos anos foi assistida pelos padres holandeses monfortinos com o apoio de irmãs italianas da Ordem Consolata. Creio que hoje a missão é assistida também por padres moçambicanos, na linha do que foi a moçambicanização do clero, um pouco por toda a parte, após a independência do país. Até à independência, existiam ainda as missões católicas de São Luís de Monfort (Mesa), Santa Maria (Namuno)[5] e São Francisco Xavier (Balama), também elas regidas pelos padres holandeses monfortinos. Creio que hoje, algumas destas missões estão desactivadas e não sei que uso foi dado às excelentes (para a época, pelo menos!) instalações e infraestruturas que os missionários ali montaram.

Existia [NB: não tenho a certeza de ainda existir...] uma representação da Missão de Combate à(s) Tripanosomíase(s) [MCT], em Balama, onde funcionava um hospital privativo, dotado de equipamento adequado, um médico e pessoal de enfermagem devidamente habilitado, que percorriam regularmente as áreas infectadas pela mosca do sono. O Chefe da MCT, pelo menos até ao início da década de 60, foi o dr. Raul Nunes Sintra (Balama).

Nota minha: Falei do Dr. Cintra aqui. Houve outro médico de Balama, sucessor do Dr. Cintra, que lá deixou marca também, o Dr. Rui Pinto do Carmo a quem chamavam o "doutor preto". Era casado com uma Senhora encantadora, a Srª. D. Agostinha.

Em toda a área do distrito se cultiva o algodão, a principal cultura de rendimento. Actualmente o tratamento e a comercialização do algodão recolhido está a cargo de uma empresa de capitais maioritariamente britânicos, a LOMACO, que aqui se instalou na década de 80 do século passado, substituindo-se à SAGAL que foi, durante meio século a empresa algodoeira de referência nesta zona.

Nota minha: Já falei da Sagal aqui e aqui.

A cultura do algodão foi sempre praticada na região pelas famílias africanas. Já na ponta final do século XIX, a produção do algodão chegou a atingir as duas toneladas por ano, o que começava a justificar a sua comercialização. Até às primeiras décadas do século XX, na área do distrito de Montepuez, o algodão era adquirido por agentes intermediários (indianos, sobretudo) e pequenos armazenistas portugueses instalados no mato, para depois ser vendido a compradores franceses radicados nas ilhas do Índico (Reunião, Maurícia e Madagascar).

A partir da década de 30, especialmente a partir de 1938, com a criação da Junta de Exportações do Algodão Colonial (JEAC), a cultura do algodão passou a estar sujeita a um regime de cultivo obrigatório, em que os agricultores eram obrigados a produzir segundo uma quota imposta pela autoridade colonial, através da JEAC. O algodão era levado pelos agricultores para mercados controlados pelo governo, que estabelecia também os preços e depois entregue às empresas algodoeiras, neste caso a SAGAL. Dados estatísticos oficiais apontam para uma produção, em 1955, de cerca de 15 mil toneladas só na área do Distrito de Montepuez.

Com a passagem do monopólio para a LOMACO, esta empresa decidiu não investir na cultura directa, em áreas de plantação própria, preferindo antes investir na produção familiar. Paralelamente ao cultivo do algodão para comercialização, os agricultores moçambicanos produzem para sustento nas suas machambas onde cultivam, entre outros produtos, o milho, a mandioca e o feijão nhemba.

Outra das riquezas e fonte de rendimento importante de Montepuez é o mármore, cuja exploração comercial se começou a fazer nos anos sessenta do século passado. Aqui se extra mármore de excelente qualidade, que é depois exportado para mercados diversificados, nomeadamente para Portugal. A maior empresa actualmente é a Marmonte, de capitais portugueses (c. 80%) e moçambicanos (c. 20%). Existe em Pemba uma fábrica de corte e polimento que é detentora de equipamento moderno e sofisticado. Segundo dados oficiais, saiem de Pemba em média, mensalmente, de 5 a 6 contentores com destino à Europa.

A população do Distrito de Montepuez hoje, deve rondar as 200 mil pessoa se não mais. Tenho dados estatísticos para 1950 que indicam que a população total do Distrito era de 130.344 pessoas. Na localidade sede do Concelho de Montepuez destacam-se 5 áreas: Centro, Nepara, Sanina, Sagal e Missão. Não estou bem recordado, mas tenho a ideia de que o mais importante régulo da sede do Distrito, ou o que mais prestígio tinha, era o Régulo Mepima [Poderá o Turita confirmar isto?]. Na área de Balama era, indiscutivelmente, o Mualia. Ainda conheci o filho mais velho do último Mualia, cujo nome não recordo, na década de 80, aqui em Maputo; tinha viajado com o tio Augusto de avião para Maputo e foi-me apresentado, salvo erro, mesmo no aeroporto! Em Namuno, lembro-me de ouvir a tia Silvina ou o tio Júlio (ou ambos) falar muito no Régulo Namicópué ou Namacópué; presumo, por isso, ser ali o mais prestigiado dos régulos. Havia ainda o Régulo Pitacula, de Melôco, famoso pela reverência relativamente à autoridade portuguesa, mas que tinha um enorme prestígio em todo o Distrito. Era o maior contribuinte em termos de imposto(!), mas talvez por ser o regulado mais populoso do Distrito.

Nota minha: Falei do Mualia várias vezes, do seu antigo poder e prestígio e do facto de o Natupile se encontrar nos seus territórios; falei aqui, também, do seu filho (referido no texto acima e nosso companheiro de brincadeira), de cujo nome julgo, agora, lembrar-me: Manuel.

Aqui ficam algumas notas (modesto contributo...) sobre a história de Montepuez. Tenho mais elementos dispersos por várias caixas de arquivo e alguns documentos já referenciados no Arquivo Histórico, que, com tempo, vou certamente escrever mais alguma coisa sobre a terra.  


Maputo, Outubro/Novembro de 2011


     Aurélio Rocha












[1]. Aprovadas pela portaria nº 11.146 de 12 de Novembro de 1955. 
[2]. Portaria nº 13.011 de 7 de Março de 1959, Boletim Oficial nº 10/1959.
[3]. Diploma Legislativo nº 2.279 de 18 de Setembro de 1962, Boletim Oficial nº 37/962, 3º suplemento.
[4]. Criada em 1939 pela Portaria nº 3.850, Boletim Oficial º 42/1939. 
[5]. A mesma Portaria nº 3.850 criou a Missão de Santa Maria, em Namuno. 

3 comentários:

Victohyper disse...

Grande contributo, julgo que ainda não existem escritos desses em obras fisicas.

Unknown disse...

Grande contributo para a Historia de Montepuez. Agradecia Prof. Aurélio Rocha para uma contribuição da Historia da Cidade de Montepuez gostaria de perceber de si também que comentário sobre as seguintes questões que as acho importantes:

A região de Montepuez, antes da colonização portuguesa, era conhecida por Metto, que em língua macua significa caminhar a pé, resultante do fluxo que se registava nessa altura, das rotas comerciais de marfim e escravos. Ate 1929, fez parte integrante da chamada Companhia do Niassa.

Dado ao seu desenvolvimento socio-económico e industrial resultante da introdução da cultura do algodão e da existência de jazigos de mármore, consequentemente a implantação de três industrias nomeadamente a de extracção de mármore (Marmonte), de descaroçamento do algodão e de descasque de arroz.

Com a extinção da Companhia do Niassa (Portaria número 182/29, de 14 de Setembro) e a reintegração dos seus territórios para a administração directa do Estado, a povoação de Montepuez passou a constituir a Sede da Circunscrição Civil de Metto,consequentemente a implantação de três industrias nomeadamente a de extracção de mármore (Marmonte), de descaroçamento do algodão (SAGAL/Lomaco) e de descasque de arroz (através da portaria número 17.729, de 18 de Abril de 1964).

Esse desenvolvimento fez com que Montepuez fosse elevada a categoria de Vila em 1964, e a 8 de Outubro de 1971, passou a categoria da Cidade.

Após a proclamação da independência nacional, as leis número 6/78 e 7/78, de 22 de Abril extinguiram a vila e transformaram a Câmara Municipal em Conselho Executivo Distrital. E pouco depois, a resolução número 8/86, de 26 de Julho restabelece a Vila sendo mais tarde categorizada com o nível “D” através da Resolução número 7/87, de 25 Abril.

Estas questões são para perceber a evolução histórica de Montepuez e contribuir também para a preservação da sua memoria como Município. Que outros elementos são importantes para acrescentar sendo munícipe residente em Montepuez. Agradeceria a sua singela contribuição sobretudo o material bibliográfico e de arquivo que o Prof. Aurélio Rocha poderá ceder gentilmente.

Anônimo disse...

Posetivo