21.12.11

A piscina OLÍMPICA do Natupile



A piscina do Natupile, inveja dos amigos, orgulho dos manos Dias, delícia de todos.
Reconheço a Lena (sensivelmento no centro); a jovem sentada, no lado direito, parece-me a minha prima Teresa Ferreira.
Atrás da menina que a bóia ajuda a flutuar, julgo reconhecer-me.
O nadador de impecável crawl parece o Lelo que, de resto, me mandou a foto.

20.12.11

"A Viúva", outra vez

A Viúva, como digo aqui, marcava uma espécie de fronteira psicológica entre Porto Amélia e Montepuez.
A propósito de quem seria a "Viúva" que crismara a terreola (Metoro, de seu verdadeiro e agora, recuperado nome), o meu amigo Celestino Gonçalves, que já referi várias vezes no blog, esclareceu-me desta forma.
Ora, "descobri" agora a sucessora da mítica Viúva que, na altura da herança, era (espero) muito bem casada; trata-se de Maria Adelina Assunção, uma Senhora nascida na aldeia de Benfeita (Arganil), em 17 de Setembro de 1928.
Em 1961, foi juntar-se ao marido, César, que já tinha emigrado para Moçambique.
Diz a Senhora: 


Primeiro, estivemos no Chiúre. Depois, fui para o Mirrote. Do Mirrote, fui para o Metorro, que era um cruzamento onde passava toda a tropa, toda a gente. Iam para Montepuez, iam para Nampula, Porto Amélia, que era uma linda cidade, uma linda praia. Eu poucas vezes lá fui. Não tinha tempo de lá ir. E foi assim. Toda a gente ali parava. Era paragem obrigatória.
E, descrevendo o seu negócio, refere-se à Viúva, a verdadeira:
Tínhamos em África quatro casas de comércio bem conhecidas. Casas melhores que qualquer uma aqui na Benfeita. No Chiúre, era à sociedade com gente de cá. A do Metorro é que era só minha. Comprei-a a uma senhora que viuvou lá, que era ali do Minho, Trás-os-Montes. Depois, fiquei com a casa e essa era só minha. Tinha uma em Ancuabe, que também era só minha. E tinha outra lá num cruzamentozito. Andámos para fazer uma em Montepuez, mas, depois, já não chegámos a fazer. Já tínhamos lá o terreno, mas o meu marido morreu.
Em casa, tínhamos o preto. Ia fazer o comer, lavava a roupa, fazia-nos as camas. A gente estávamos no comércio, a atender. Eram casas grandes. Vendíamos tudo! Panos, tudo que era de peixe, peixe seco, polvo seco, açúcar, arroz. Tudo para os pretos.

A D. Adelina não era, provavelmente, má pessoa; veja-se o que diz de umas pauladas que teve que dar: 
Adelina Assunção e a filha Margarida
no Metoro ("Viúva")


Só um dia dei lá umas quatro cacetadas a um preto, porque roubou-me um saco de castanha. Depois, estava lá a polícia preta:
- A senhora agora pegue neste pau e dê-lhe duas cacetadas aqui no rabo, no cu.
E eu dei-lhe. Mas, depois, até fiquei arrependida. 


Tendo morrido o marido César, D. Adelina tornou-se, por assim dizer, tornou-se a "Viúva II": 


Tenho muita pena de Moçambique, muita, muita. Quando o meu marido morreu, eu estava sozinha e não fiquei assim muito bem. Mas, depois, também tinha de vir à Benfeita, porque tínhamos o cemitério, tínhamos que comprar o terreno. De três em três anos vinha cá. Tenho umas quatro ou cinco viagens de avião! É a coisinha melhor que se pode fazer. Ainda tenho pena de não voltar a África ou a um lado qualquer que fosse de avião. E eu vinha, porque gostava também de vir ver os amigos, de ver a família. E foi assim que vim. Foi o que eu fiz melhor. Ficava lá tudo assim como ficou. Minhas casinhas tão boas... Ai, nem me quero lembrar. A casa do Metorro era uma casinha tão boa. Chamavam lá Cruzamento da Viúva. Se deixou saudades... Eu quando falo em Moçambique, choro sempre. Lembro-me de como tinha lá a minha vida bem encarreirada. Mas o meu marido morreu e a vida tinha que continuar. Aluguei as casas aos meus irmãos e vim.


Muito se aprende na net!
Se quiserem saber mais sobre a D. Adelina (e garanto que é um depoimento muito interessante e rico), basta-lhe clicar aqui.



19.12.11

MEMÓRIA COLONIAL V



René Pelissier é um historiador francês que se especializou na história colonial portuguesa e é autor de uma vasta bibliografia em que Moçambique ocupa um lugar de relevo.
Num artigo, intitulado Impérios defuntos, herdeiros batalhadores e publicado em 2004 na Revista Análise Social, Pelissier refere um autor escocês, Fred Reid, e a sua obra In Search of Willie Patterson. A Scottish Soldier in the Age of Imperialism, de 2002.
Escreve René Pelissier:

Mais inesperado ainda, mas sempre sobre Moçambique, vamos citar um texto escocês  entre 1918 e 2000. Trata da biografia de um «obscuro»,redigida por um historiador profissional que reconstituiu a vida do avô, proletário vitoriano, grande amante de mulheres, soldado do império britânico, carteiro, que se ofereceu como voluntário, para acabar como telegrafista militar a norte de Moçambique, correndo atrás dos alemães, do célebre von Lettow-Vorbeck. O mais extraordinário neste trabalho de reabilitação da «ovelha negra» da família é que o autor é cego e, empurrado pela sua consciência profissional, dirige-se pessoalmente ao local (Montepuez e arredores) para
«ver» (pelo menos sentir) como é que este avô desconhecido obteve a military medal pela sua bravura, a 12 de Abril de 1918, numa batalha (Medo) de que ninguém se recorda, nem na Grã-Bretanha, nem em Portugal, nem em Moçambique.
O que Fred Reid diz  das suas tentativas (pp. 97-120) para identificar Medo em Montepuez é apaixonante, mas este Sherlock Holmes com uma bengala branca teria evitado muitos incómodos ao pé das termiteiras se os seus ajudantes e assistentes visuais tivessem contactado especialistas britânicos da bibliografia moçambicana que o teriam orientado, possivelmente, para "A Handbook of Portuguese Nyasaland, reimp. Greenwood Publishing, Nova Iorque,  1969 (p. 204)". Mas, enfim, graças a ele, temos mais uma descrição de Montepuez e do seu «concelho» (o Medo) depois da guerra civil.

Vou procurar o livro de Fred Reid.
Sobre von Lettow-Burbeck, poderá quem o desejar, clicar, na coluna da direita do blog, na secção intitulada MARCADORES, em “Grande Guerra”; quanto ao Medo (ou Meto),tem sido várias vezes referido.







15.12.11

Mais uma corrida...

É provável que, durante 3 ou 4 dias, não publique nada no blog.
Andarilho por natureza e ocupação, vou estar ausente da "ditosa Pátria" e nem sempre é cómodo usar o laptop ou o IPAD.
Sei que vão resistir! Com dificuldade mas vão resistir!

14.12.11

Identificando um local

O Hotel no tempo do seu esplendor (foto colhida no blog Petromax)
Diz-me a mana Lena que esta fotografia deve ter sido tirada na piscina do Hotel do Lumbo, em frente à Ilha de Moçambique.
O Hotel do Lumbo agora (no blog Moçambique-Lugares da nossa Terra)
O Grande Hotel do Lumbo tinha um um luxo um pouco deslocado no tempo e no espaço, o que lhe dava um charme indefinível. 
Por ele passaram personalidades como Ali Khan, o filho do anterior Aga Khan e pai do actual, playboy famoso na sua época, corredor de automóveis e bon vivant, acompanhado por aquela que era sua mulher na época, a divina Rita Hayworth, uma das mais belas stars de Hollywood e da história do cinema.
Rita Hayworth
Para mim (e julgo que para os meus irmãos) ficar no Grande Hotel do Lumbo era passar pelo paraíso, tanto mais que, logo ali à frente, estava a Ilha de Moçambique, outro lugar mágico que voltei a visitar recentemente, com a Paula, logo a seguir à viagem a Montepuez que inspirou este blog.

13.12.11

Macua 4


Já passou muito tempo desde que deixei de acreditar na bondade intrínseca da pessoa humana e no mito rousseauniano do “bom selvagem”, seu corolário.
Também desapareceu já a ilusão segundo a qual nas relações entre colonizado e colonizador toda a razão e toda a virtude estavam só de um lado.
Escrevo isto porque me apercebi que, por vezes, com foi o caso no post “Macua 3”, pode transparecer esse equívoco e, por deficiência da minha capacidade de exposição, poder-se (erradamente) inferir que os macuas são um conjunto de seres angélicos, sábios e generosos, perante uma turba feroz de seres maléficos e ignorantes.  
Não tenho essa visão maniqueísta.
Acontece, porém, que é mais difícil argumentar contra um preconceito ou uma ideia feita do que aceitá-los sem discussão.
Daí a tendência para uma predisposição para sobrevalorizar os traços positivos de uma cultura ameaçada, dominada ou pouco conhecida, em detrimento de uma apresentação “equilibrada” que aponte, em paralelo, para os aspectos menos “simpáticos” dessa mesma realidade.
Esta é uma declaração prévia ao que escreverei a seguir, sobre alguns aspectos da cultura dos macuas, correndo o risco de minimizar, outra vez, traços menos simpáticos dela e não fazendo o mesmo para o colonizador.
Socorro-me de Alberto Viegas, um escritor nampulense nascido em Cuamba, para falar de um traço da cultura macua:
Diz ele que para os macuas “o sorriso é um sinal de amizade e de que se pode criar uma boa relação. Quando chega alguém que não é conhecido, sorriem-lhe na mesma: Deste modo, ele saberá que não tem nada a temer.
Os macuas recorrem também ao sorriso para apagar as ofensas. O ofendido, por sua vez, espera que aquele que o ofendeu lhe retribua outro sorriso para demonstrar que não queria ferir-lhe o coração. Basta um sorriso e acontecerá a reconciliação.
Durante o período colonial, este costume deu origem a muitas incompreensões. Ao patrão enfurecido que o insultava e lhe batia, o macua sorria, querendo dizer-lhe: ‘Desculpe, não queria ofendê-lo’. Mas o patrão, ignorando o significado desta atitude, tratava-o ainda com mais violência, pois pensava estar a burlar-se dele.”

12.12.11

IMPOSTO DE PALHOTA

O Imposto de Palhota, para muitos um dos maiores símbolos da opressão colonial, foi copiado de um tributo da mesma natureza que era cobrado nos territórios africanos sob administração inglesa.
Na área que nos interessa e que coincide com o território da concessão da Companhia do Niassa, começou a ser cobrado em 1897 e chegou a constituir uma das maiores receitas da Companhia e, mais tarde, da administração colonial.
As tabelas de cobrança do Imposto de Palhota ilustravam as delimitações territoriais das divisões administrativas dos territórios.
Por isso, no caso de Montepuez, o Imposto só começou a ser cobrado bastante mais tarde, devido à “irrequietude” de vários chefes locais, designadamente o já várias vezes falado Mualia.
O Regulamento determinava que estavam sujeitos ao pagamento deste Imposto (de montante bastante alto) todos os proprietários de palhotas que servissem para habitação. Ele podia ser pago em dinheiro ou em géneros; porém, neste último caso, os géneros eram aceites por apenas 2/3 do seu valor de mercado.
Os mapas de cobrança foram muito úteis, também, para as actividades de recenseamento que, em outras coisas, era a base do recrutamento para o “contrato”, uma forma elaborada de trabalho obrigatório (ou forçado…) muitas vezes acompanhado de uma forma de degredo, uma vez que os “contratados” eram transportados para zonas por vezes muito distantes dos seus lugares de origem.
Entendido pelas populações a ele sujeitas como uma forma tirânica de dominação – “economia de extorsão”, chamou-lhe um estudioso – o Imposto de Palhota foi uma das bandeiras propagandísticas da FRELIMO.
Perdurou até 1961, data em que o início da guerra em Angola provocou algumas reformas coloniais que, evidentemente, foram feitas demasiado tarde e foram demasiado tímidas.

10.12.11

O meu Tio Ramalho, "A Internacional" e o Cabo Mata - 2

Mas o que me enchia as medidas era a história do Cabo Mata que o Tio Ramalho caontava com grande cópia de promenorse e gesticulações, entre risadas e mímicas e que me punham a rir às gargalhadas.
Parece que o Cabo Mata era o garboso Comandante do Posto da Guarda Republicana de 

Ermesinde.
A localidade devia, nos anos 30, ser pequena e o Cabo Mata era uma figura estimada e popular entre as suas gentes.  
Ele era adepto do "Reviralho" e não se entusiasmara com o 28 de Maio, com a Ditadura Militar que se lhe seguiu nem com o Dr. Salazar que herdou, do Exército, o Governo.
Assim, o Cabo Mata fazia fama e proveito de conspirador.
Ora, o salazarismo ainda não estava consolidado e os golpes, as intentonas e as "revoluções" multiplicavam-se e sucediam-se.
A certa altura, chegou a notícia de que um grupo de militares se revoltara no Porto e pretendia derrubar o regime.
O Cabo Mata, paladino da República e miltar brioso, resolveu aderir à revolta: armou os dois soldados que estavam no posto e decidiu marchar sobre a cidade.
Correu célere a notícia de que o bravo Comandante e o grosso das tropas da guarda, de peito feito às balas inimigas, com a coragem dos heróis e o entusiasmo ao rubro, marchava já em direcção ao Porto, pronto a colocar as suas forças ao serviço da Causa.
Nas ruas de Ermesinde ouviam-se palmas e gritos de entusiasmo e encorajamento. Alguns elementos da Banda dos Bombeiros correram para a frente do Cabo Mata e dos seus homens e executaram entusiásticas mrchas militares (ou modinhas folclóricas, não sei bem). Houve colchas nas janelas e as moças, emocionadas com a bravura dos jovens soldados, porventura temendo pela vida desses bravos, atiravam flores e beijos com a ponta dos dedos.
E, garboso e emocionado, peito para fora, barriga para dentro, o Cabo Mata agradecia, saudando a população e gritando vivas à República! 
Os miúdos marchavam, nos passeios, com canas ao ombro, a imitar os valentes.
O ambiente era electrizante.
O destacamento estava já nos limites da Vila, quando chegou, a correr, um funcionário dos CTT com um telegrama nas mãos. A Banda silenciou, cessaram os gritos.
Tristemente, depois de percorrer o telegrama, o Cabo Mata de uma ordem de "meia volta volver" e, juntamente com os seus dois subordinados, regressou ao Posto.
O telegrama dizia que o General Coisa e Tal, os Coronéis Fulano e Cicrano e os restantes oficiais sediciosos, isto é, todos os "revolucionários", tinham sido presos.
A Revolução falhara, o "Botas" ainda ia durar muitos anos  antes do trambulhão da cadeira.
O Cabo Mata foi preso num dos dias que se seguiram. A história não acabava bem mas o valente Cabo não deve ter ficado muito tempo na prisão.
Pelo menos, eu gosto de pensar que não, não ficou muito tempo.

O meu Tio Ramalho, "A Internacional" e o Cabo Mata - 1

 

O Tio Ramalho, depois de assistir às vivas discussões políticas que eu, com algum pedantismo, tinha com meu Pai, acompanhava-me no curto tajecto até à varanda do Bar, assobiando sardonicamente "A Internacional".
Só muito instado e perante a minha estupefacção me revelou, a conta gotas e com grande reserva, no meio de contagiantes risadas, que, na sua juventude, andara "metido na política" e tivera veleidades "revolucionárias".
Detalhe de foto de Celestino Gonçalves
Contou-nos (e repetiu várias vezes a história, a nosso pedido), por exemplo, que, certa vez, em Ermesinde, sua terra natal, participara numa acção contra um grupo de Nacionais-Sindicalistas, os "Camisas Azuis" de Rolão Preto, um Partdo fascista que chegou a ter algum peso na época da Ditadura Militar e que acabou por ser extinto pelo salazarismo que não admitia concorrência à sua direita... (nem à sua esquerda, acima, de baixo ou fosse onde fosse).
Ora, com a cumplicidade de um ferroviário, um grupo que não tinha em excessiva estima a rapaziada de camisa azul, parou o comboio na Estação de Ermesinda e atacou os nazis indígenas, originando uma sarrafusca generalizada.
Na sequência disto, o Tio Ramalho foi levado para a sede da Polícia Política (que, nessa altura, ainda devia usar o nome de PVDE - Polícia de Vigilância e Defesa do Estado - a sigla que antecedeu a da PIDE), no Porto. Acompanhava-o um camarada que tinha a particularidade de ser boxeur e, segundo o relato bem-humorado do Tio Ramalho, uma estatura avantajada e uma força a condizer.
À chegada ao Porto e à sede da Polícia, parece que os presos eram recebidos, à passagem da porta, por um bofetão, a título de boas-vindas.
O Tio Ramalho, não era particularmente corpulento; bom, diria mesmo que era baixote... 
Foi o primeiro a entrar e, quando o agente encarregado das boas-vindas fez o movimento para a proverbial bofetada, o Tio Ramalho abaixou-se e o infeliz agente atingiu em cheio o amigo boxeur; este estava treinado para reagir, quase automatica e institivamente, a qualquer adversário que tentasse atingi-lo, de modo que acertou um impecável jab na cara do "chui" que, segundo a versão ramalhal, ficou imediatamente KO.

8.12.11

Guerra Marques

Com a aproximação da guerra - a qual, cada vez mais, parecia inevitável - começaram a chegar a Montepuez os primeiros contingentes militares.
Por essa altura, já eu navegava  nos mares políticos do anti-colonialismo e da militância clandestina contra o regime.
Por isso, nas breves semanas que passava, em férias, em Montepuez, embora não excluísse quaisquer contactos com os militares mobilizados, também não os procurava.
Foi, por isso, sem particular entusiasmo que verifiquei, numa dessas idas a Montepuez, que um Alferes, Guerra Marques de seu nome, a sua Mulher Isabel e duas loiras e bonitas crianças, filhas do casal, eram, mais do que visitas, presenças permanentes
da casa e que os meus Pais tinham por eles uma amizade
evidente e entusiasmada.
Não demorei muito tempo a compreender a razão: tratava-se de pessoas possuidoras de um grande encanto e pelas quais também eu senti, de imediato, uma forte simpatia.
As crianças, sobretudo, a Paula Maria e a Helena Isabel (creio que não conheci o mais novo, o Pedro Luís) eram irresistíveis. 
(Faço um parêntesis para confessar que não recordaria estes nomes das criançasse não estivessem escritos, repetidamente, nos versos das fotografias, com a caligrafia da Isabel Guerra Marques,  em autógrafos dirigidos aos "Vovô" e "Tia Lai"ou aos "nossos queridos amigos").
Este post justifica-se porque, entre as inúmeras fotografias que recolhi e que tenho usado para ilustrar o blog, encontrei uma tal quantidade de fotorafias  destes Amigos dos meus Pais que poderia, com elas, ilustrar um bom número de outra entradas.
E justifica-se, também, porque a amizade que os meus Pais nutriam por eles e, sobretudo, o carinho que se adivinha no sorriso do meu Pai numa outra foto em que tem uma das meninas ao colo, me enternecem.
A  fotografia da família au complet, no início do post, tem, no verso, a seguinte inscrição, como sempre na caligrafia da Isabel: "Para vós, com um grande abraço de saudades.   Luanda, 1967".
Há fotografias de datas posteriores. Talvez as utilize ainda, se voltar a falar na Família Guerra Marques. 

6.12.11

Macua 3



Há sempre, na visão do colonizador sobre o colonizado, uma distorção da realidade que provem, essencialmente, da convicção da sua própria superioridade. A perspectiva de que se olha é a de alguém convicto de que tem uma missão, o “White Men’s Burden” (“O fardo do Homem Branco”, poema imperialista de Rudyard Kipling), a “Dilatação da Fé e do Império” ou outros desígnios da mesma natureza. Mas ela radica, na verdade, numa visão eurocêntrica que, mesmo quando paternalista e/ou eivada de “bons sentimentos” olha o colonizado como alguém que “não sabe”. “Não sabe” ler, escrever, comportar-se, trabalhar…

Porque se coloca a si próprio numa posição “mais alta”, o colonizador (o branco) não reconhece, ou, pelo menos, desvaloriza, as qualidades muitas vezes patentes no “outro”, a gentileza, o respeito pelos mais velhos, a solidariedade, a frugalidade e, sobretudo, a sabedoria, tantas vezes traduzida em provérbios, fábulas ou lendas.
Os macuas têm, na sua literatura oral, uma infinidade deste tipo de produção, de que transparece um saber tradicional que, assim, se transmite, através de ditos sobre a família, o espírito (os brancos…), de fábulas em que entram coelhos, crocodilos, leões, xiricos, etc..
Sendo, como no aforismo português, a voz do Povo que, por sua vez, é a voz de Deus, muito provérbios macuas têm correspondência em  rifões portugueses. Li alguns há uns dias: “Comer farelo de mapira vale mais do que dormir com fome”, a comparar com “a cavalo dado não se olha o dente”, “é imprudente a m’tiana que deita fora a mandioca porque espera que o marido traga caça”, que é como quem diz “mais vale um pássaro na mão do que dois a voar”.(1)
Já agora, uma fábula de que me recordo: havia um coelho otentéra (muito esperto) que roubava coisas de uma horta onde havia também uma capoeira. O dono da horta começou a desconfiar do coelho. Então este apanhou algumas penas do chão, fez um lindo colar e foi oferecê-lo à quizumba (hiena) que era muito vaidosa. Organizou um batuque e convidou o dono da horta e a quizumba . Quando o dono da horta viu as penas da galinha no pescoço da quizumba, matou-a e o coelho esperto ficou a salvo.
A “moral da história” é clara: desconfia dos presentes que te dão sem razão aparente; ou, como diziam os romanos “timeo danaos et dona ferentes” (desconfio dos gregos quando trazem presentes).
A visão racista ou até o paternalismo de "bons sentimentos" que olha o negro - o macua neste caso - como um ser incompleto, infantil, "atrasado", desconhece uma verdade mil vezes demonstrada e que a ciência, a moral e a filosofia proclamam desde sempre: o desenvolvimento técnico, por si só, não significa civilização; a cultura não se transmite só pela escrita; não há raças inferiores (se é que há "raças" entre o género humano).



(1) O Pe. Alexandre Valente de Matos recolheu algumas centenas de provérbios macuas e é do seu trabalho que respigo estes dois exemplos.

5.12.11

A pose

A fotografia de minha Mãe  é o típico trabalho de estúdio da época, uma fisionomia muito retocada a que a pose rígida, quase hierática, acrescenta uma artificialidade notória.
O Estúdio Salvador, situado na Rua Stª. Catarina, 289, no Porto, foi o responsável, em 1954, por esta obra.
O casaco de pele de leopardo (de vários leopardos, julgo eu) seria hoje um anacrónico escândalo para o politicamente correcto e o seu uso talvez sujeito a sanção penal.
Mudam-se os tempos...
Lembro-me muito bem do casaco e lembro-me da fotografia, em tamanho maior, emoldurada.
Pela data (carimbo no verso) verifico que a fotografia foi tirada por ocasião da viagem à "Metrópole" que teve como principal motivo - e resultado - a minha colocação como aluno interno no Colégio Jesuíta das Caldinhas (Stº. Tirso), calvário que durou dois anos e que só terminou porque três tentativas de fuga convenceram o Poder Paternal de que os métodos educativos dos Reverendos Padres não se adequavam ao rebento.
Colégio religioso por colégio religioso, Stº. Tirso foi trocado por Lourenço Marques e os Jesuítas pelos Maristas.

Macua 2



Embora os macuas, enquanto conjunto étnico-linguístico mantenha uma identidade comum, elas não constituem uma unidade homogénea.
No seio do conjunto “macuas”, há relações muito complexas entre diversos sub-grupos agrupados à volta das variantes linguísticas e que se revelaram, por exemplo, nas modalidades diversas que assumiu, a reacção diferente ao poder colonial nas diversas áreas daquilo que, outrora, se chamava “a Macuana” ou a diversidade dos graus de aceitação das substituição das chefias tradicionais dos “mwene” pelos régulos impostos pelo poder colonial e que, normalmente, eram submissos a este.
Mulher macua usando o "mussiro" ou "mciro"
A organização social dos macuas é exogâmica (isto é, ao cônjuges devem provir de grupos distantes, o que tende a dificultar a consanguinidade) e matrilinear (o que quer dizer que a pertença a um grupo ou a sucessão num cargo ou posição se define pela linhagem feminina).
Assim, sucedia ao “mwene” o filho mais velho da sua irmã mais velha, o mesmo se passando com o estatuto de “chefe da família” ou da aldeia ou do clã.
Por outro lado, o indivíduo integrar-se-ia não no clã do pai mas sim no da mãe.
Estas regras parecem estar a cair em desuso e essa “desestruturação” tem consequências desastrosas sobre a identidade e o enraizamento dos indivíduos.
A socióloga moçambicana Conceição Osório interroga-se se “estamos a falar do passado” ao falar de sociedade matrilinear (pelo menos em Nampula) e usa o exemplo de mulheres separadas e viúvas que foram ou se “sentiram” abandonadas. Aponta, também, outra consequência gravosa do “abandono da matrilinearidae (que) reforça o modelo patriarcal” ; é que essa alteração não é acompanhada pela mudança na regra que considera os filhos como sendo da responsabilidade da mãe, o que faz com que os filhos sejam “abandonados” pelos pais ao mesmo tempo que as suas mães, desresponsabilizando totalmente os homens.
Embora, como disse aqui, as origens mitológicas do povo macua sejam localizadas no Namuli, ele deve ter evoluído, segundo alguns estudiosos, a partir de um grupo migrante originário da África Central que se fixou na zona do Rio Montepuez por volta dos séculos X e XI e aí assimilou as populações locais, tornando-se o grupo dominante na área.
Nos finais do século XV, os portugueses chegam à costa de Moçambique, a caminho da Índia.
Ora, a costa oriental de África estava já estruturada numa rede comercial e marítima, controlada pelos árabes e pelos swahilis, que conseguiu obstar a que os portuguese penetrassem para o interiro, excepção feita ao vale do Zambeze, onde o sistema dos “prazos” lhes permitiu um efectivo domínio. Mas, mais a norte, as coisas foram diferente e o Sultão de Angoche, por exemplo, conseguiu resistir até 1910, ano em que foi, finalmente, submetido.
Outros potentados afro-muçulmanos, embora tenham siso submetidos um pouco antes do de Angoche, foram focos de resistência ao poder colonial até aos finais do século XIX.
Até à efectiva abolição da escravatura (que só se verificou no início do século XX, até quando o tráfico funcionou clandestinamente), esta foi, depois dos ciclos do ouro e do marfim, o principal “ramo de comércio” entre os portugueses, os swahilis e os macuas.
Enquanto na costa ocidental, o destino dos escravos foi essencialmente as Américas e as Caraíbas, no caso de Moçambique foi a introdução do cultivo da cana-de-açúcar nas Comores, em Madagáscar e nas Maurícias que para aí canalizou a maior parte dos escravos.
Mas entre os quase meio milhão de cativos que se calcula terem saído de Moçambique, também muito, com predominância dos macuas, foram destinados não só às Américas mas também ao Golfo Pérsico e ao Oriente. 

4.12.11

Citação X

As autobiografias são compostas por recordações pessoais, a totalidade das nossas experiências, incluindo as experiências dos planos que fizemos para o futuro, sejam eles precisos ou vagos. O eu autobiográfico é uma autobiografia feita consciente. Faz uso de toda a história que memorizámos, tanto recente como remota. Estão incluídas nessa história as experiências sociais das quais fizemos parte, ou das quais gostaríamos de ter feito parte, bem como as recordações que descrevem as nossas mais refinadas experiências emocionais, nomeadamente as que possam ser classificadas de espirituais.

António Damásio "O livro da Consciência - A Construção do Cérebro Consciente"

Ed. Círculo de Leitores, 2010

2.12.11

1913 - 1982



Se fosse vivo, meu Pai teria feito ontem 99 anos.

Amor fraternal 4



O meu primo Júlio Ramalho mandou-me ontem, de São Paulo, esta foto em que estou entre os meus manos.
Não identifico a piscina mas estou a tentar.