20.12.11

"A Viúva", outra vez

A Viúva, como digo aqui, marcava uma espécie de fronteira psicológica entre Porto Amélia e Montepuez.
A propósito de quem seria a "Viúva" que crismara a terreola (Metoro, de seu verdadeiro e agora, recuperado nome), o meu amigo Celestino Gonçalves, que já referi várias vezes no blog, esclareceu-me desta forma.
Ora, "descobri" agora a sucessora da mítica Viúva que, na altura da herança, era (espero) muito bem casada; trata-se de Maria Adelina Assunção, uma Senhora nascida na aldeia de Benfeita (Arganil), em 17 de Setembro de 1928.
Em 1961, foi juntar-se ao marido, César, que já tinha emigrado para Moçambique.
Diz a Senhora: 


Primeiro, estivemos no Chiúre. Depois, fui para o Mirrote. Do Mirrote, fui para o Metorro, que era um cruzamento onde passava toda a tropa, toda a gente. Iam para Montepuez, iam para Nampula, Porto Amélia, que era uma linda cidade, uma linda praia. Eu poucas vezes lá fui. Não tinha tempo de lá ir. E foi assim. Toda a gente ali parava. Era paragem obrigatória.
E, descrevendo o seu negócio, refere-se à Viúva, a verdadeira:
Tínhamos em África quatro casas de comércio bem conhecidas. Casas melhores que qualquer uma aqui na Benfeita. No Chiúre, era à sociedade com gente de cá. A do Metorro é que era só minha. Comprei-a a uma senhora que viuvou lá, que era ali do Minho, Trás-os-Montes. Depois, fiquei com a casa e essa era só minha. Tinha uma em Ancuabe, que também era só minha. E tinha outra lá num cruzamentozito. Andámos para fazer uma em Montepuez, mas, depois, já não chegámos a fazer. Já tínhamos lá o terreno, mas o meu marido morreu.
Em casa, tínhamos o preto. Ia fazer o comer, lavava a roupa, fazia-nos as camas. A gente estávamos no comércio, a atender. Eram casas grandes. Vendíamos tudo! Panos, tudo que era de peixe, peixe seco, polvo seco, açúcar, arroz. Tudo para os pretos.

A D. Adelina não era, provavelmente, má pessoa; veja-se o que diz de umas pauladas que teve que dar: 
Adelina Assunção e a filha Margarida
no Metoro ("Viúva")


Só um dia dei lá umas quatro cacetadas a um preto, porque roubou-me um saco de castanha. Depois, estava lá a polícia preta:
- A senhora agora pegue neste pau e dê-lhe duas cacetadas aqui no rabo, no cu.
E eu dei-lhe. Mas, depois, até fiquei arrependida. 


Tendo morrido o marido César, D. Adelina tornou-se, por assim dizer, tornou-se a "Viúva II": 


Tenho muita pena de Moçambique, muita, muita. Quando o meu marido morreu, eu estava sozinha e não fiquei assim muito bem. Mas, depois, também tinha de vir à Benfeita, porque tínhamos o cemitério, tínhamos que comprar o terreno. De três em três anos vinha cá. Tenho umas quatro ou cinco viagens de avião! É a coisinha melhor que se pode fazer. Ainda tenho pena de não voltar a África ou a um lado qualquer que fosse de avião. E eu vinha, porque gostava também de vir ver os amigos, de ver a família. E foi assim que vim. Foi o que eu fiz melhor. Ficava lá tudo assim como ficou. Minhas casinhas tão boas... Ai, nem me quero lembrar. A casa do Metorro era uma casinha tão boa. Chamavam lá Cruzamento da Viúva. Se deixou saudades... Eu quando falo em Moçambique, choro sempre. Lembro-me de como tinha lá a minha vida bem encarreirada. Mas o meu marido morreu e a vida tinha que continuar. Aluguei as casas aos meus irmãos e vim.


Muito se aprende na net!
Se quiserem saber mais sobre a D. Adelina (e garanto que é um depoimento muito interessante e rico), basta-lhe clicar aqui.



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