Há
sempre, na visão do colonizador sobre o colonizado, uma distorção da realidade
que provem, essencialmente, da convicção da sua própria superioridade. A
perspectiva de que se olha é a de alguém convicto de que tem uma missão, o “White
Men’s Burden” (“O fardo do Homem Branco”, poema imperialista de Rudyard
Kipling), a “Dilatação da Fé e do Império” ou outros desígnios da mesma
natureza. Mas ela radica, na verdade, numa visão eurocêntrica que, mesmo quando
paternalista e/ou eivada de “bons sentimentos” olha o colonizado como alguém
que “não sabe”. “Não sabe” ler, escrever, comportar-se, trabalhar…
Porque
se coloca a si próprio numa posição “mais alta”, o colonizador (o branco) não
reconhece, ou, pelo menos, desvaloriza, as qualidades muitas vezes patentes no
“outro”, a gentileza, o respeito pelos mais velhos, a solidariedade, a
frugalidade e, sobretudo, a sabedoria, tantas vezes traduzida em provérbios,
fábulas ou lendas.
Os
macuas têm, na sua literatura oral, uma infinidade deste tipo de produção, de
que transparece um saber tradicional que, assim, se transmite, através de ditos
sobre a família, o espírito (os brancos…), de fábulas em que entram coelhos,
crocodilos, leões, xiricos, etc..
Sendo,
como no aforismo português, a voz do Povo que, por sua vez, é a voz de Deus,
muito provérbios macuas têm correspondência em
rifões portugueses. Li alguns há uns dias: “Comer farelo de mapira vale mais do que dormir com
fome”, a comparar com “a cavalo dado não se olha o dente”, “é imprudente a m’tiana que deita fora a mandioca porque
espera que o marido traga caça”, que é como quem diz “mais vale um pássaro na
mão do que dois a voar”.(1)
Já
agora, uma fábula de que me recordo: havia um coelho otentéra (muito esperto) que roubava coisas de uma horta onde havia
também uma capoeira. O dono da horta começou a desconfiar do coelho. Então este
apanhou algumas penas do chão, fez um lindo colar e foi oferecê-lo à quizumba (hiena) que era muito vaidosa.
Organizou um batuque e convidou o dono da horta e a quizumba . Quando o dono da horta viu as penas da galinha no
pescoço da quizumba, matou-a e o
coelho esperto ficou a salvo.
A
“moral da história” é clara: desconfia dos presentes que te dão sem razão
aparente; ou, como diziam os romanos “timeo
danaos et dona ferentes” (desconfio dos gregos quando trazem presentes).
A visão racista ou até o paternalismo de "bons sentimentos" que olha o negro - o macua neste caso - como um ser incompleto, infantil, "atrasado", desconhece uma verdade mil vezes demonstrada e que a ciência, a moral e a filosofia proclamam desde sempre: o desenvolvimento técnico, por si só, não significa civilização; a cultura não se transmite só pela escrita; não há raças inferiores (se é que há "raças" entre o género humano).
(1) O Pe. Alexandre Valente de Matos recolheu algumas
centenas de provérbios macuas e é do seu trabalho que respigo estes dois
exemplos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário