Meu Avô
António Augusto e meu Pai chegaram a Moçambique nos idos de 1930.
Nessa altura (e até bastante
tarde na história do colonialismo português) era exigida, a quem quer que
desejasse emigrar para as possessões coloniais, uma “carta de chamada”, uma
espécie de termo de responsabilidade de alguém já lá instalado.
Algodão no Natupile-meu Pai à direita |
A “carta de chamada” não era mais
do que uma forma de manter sob rigoroso controlo do Estado a população branca
que iria, em nome da “nação
portuguesa”,na linguagem pomposa do Acto Colonial de 1930, “desempenhar a
função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as
populações indígenas que neles se compreendam”.
O responsável da “carta de
chamada” foi um parente, cunhado
de minha Avó Amélia, o Tio Sobral.
Este era uma figura invulgar, um
velho pioneiro larger than life,
casado com a Tia Ana Sobral, de quem se dizia ter sido a primeira mulher branca
a habitar, de forma permanente, o norte de Moçambique.
A Lena num Pomar no Natupile |
Originários de Freixo de Espada à
Cinta, deram o nome de Nova Freixo à Vila de Cuamba, o que perdurou até 1975, quando, por fim, a povoação voltou
à sua inicial e legítima designação.
Os bustos deste casal
ornamentaram o principal jardim de Cuamba e eles foram, durante muitos
decénios, uma espécie de patronos da Vila, os principais proprietários
agrícolas e do comercio da região.
Este Tio Sobral tinha decidido
abandonar a zona de Montepuez.
Deixou, então, uma machamba que possuía, o Natupile, a meu
Pai.
Pé descalço e boa-vai-ela-Turita e eu |
Rezam as crónicas que terá dito a
meu Pai: “Agora, governa-te...”.
O Natupile foi, desde a primeira
infância, uma espécie de “lar primordial” – mesmo quando vivíamos em Montepuez,
eu sentia que estávamos de passagem, que a nossa estadia não era permanente
porque a “casa” a verdadeira casa, era o Natupile.
A minha Irmã Maria Helena nasceu
no Natupile e , juntamente com ela e com o Turita, foi lá que vivi os primeiros
anos da meninice.
Lá li as primeiras revistas (“O
Mosquito”, o “Mundo de Aventuras”) e os primeiros livros (Salgari, Paul Féval,
Ponson du Terrail, Dumas).
Lá disparei a primeira pressão de
ar, uma Diane, e a primeira espingarda a sério, a Flaubert .22; lá brinquei,
tive medo das feras (quando um leão rugia, os “crescidos” diziam que “o leão está a
cantar”, uma forma de afastar o terror nocturno inspirado pelos animais
selvagens), encantei-me com os primeiros "bichos", cães, gazelas e periquitos.
O som de um motor de automóvel
ouvia-se a dez ou quinze quilómetros de distancia e desencadeava uma enorme
excitação, porque significava que provavelmente íamos ter visitas.
Nenhum dia era igual ao outro,
embora, na minha infantil imaginação, eu confundisse sossego com monotonia.
O Natupile era a “casa” e era
para lá que voltámos sempre.
Um comentário:
Olá Toni.Que boas lembranças e quantas saudades de tudo e todos.Passei belos dias em Natupile.
Ia com o teu Pai meu tio Augusto para o outro lado da serra ver a machamba de arroz.Era uma bela caminhada a pé pois não havia estrada para o carro.Iamos bem cedo e voltavamos ao anoitecer.Enfim-belos tempos.Grande abraço para ti e Paula.Beijo
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