24.1.12

Errâncias IV


Meu Avô António Augusto e meu Pai chegaram a Moçambique nos idos de 1930.
Nessa altura (e até bastante tarde na história do colonialismo português) era exigida, a quem quer que desejasse emigrar para as possessões coloniais, uma “carta de chamada”, uma espécie de termo de responsabilidade de alguém já lá instalado.
Algodão no Natupile-meu Pai à direita
A “carta de chamada” não era mais do que uma forma de manter sob rigoroso controlo do Estado a população branca que iria,  em nome da “nação portuguesa”,na linguagem pomposa do Acto Colonial de 1930, “desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendam”.
O responsável da “carta de chamada”  foi um parente, cunhado de minha Avó Amélia, o Tio Sobral.
Este era uma figura invulgar, um velho pioneiro larger than life, casado com a Tia Ana Sobral, de quem se dizia ter sido a primeira mulher branca a habitar, de forma permanente, o norte de Moçambique.
A Lena num Pomar no Natupile
Originários de Freixo de Espada à Cinta, deram o nome de Nova Freixo à Vila de Cuamba,  o que perdurou até 1975, quando, por fim, a povoação voltou à sua inicial e legítima designação.
Os bustos deste casal ornamentaram o principal jardim de Cuamba e eles foram, durante muitos decénios, uma espécie de patronos da Vila, os principais proprietários agrícolas e do comercio da região.
Este Tio Sobral tinha decidido abandonar a zona de Montepuez.
Deixou, então, uma machamba que possuía, o Natupile, a meu Pai.
Pé descalço e boa-vai-ela-Turita e eu
Rezam as crónicas que terá dito a meu Pai: “Agora, governa-te...”.
O Natupile foi, desde a primeira infância, uma espécie de “lar primordial” – mesmo quando vivíamos em Montepuez, eu sentia que estávamos de passagem, que a nossa estadia não era permanente porque a “casa” a verdadeira casa, era o Natupile.
A minha Irmã Maria Helena nasceu no Natupile e , juntamente com ela e com o Turita, foi lá que vivi os primeiros anos da meninice.
Lá li as primeiras revistas (“O Mosquito”, o “Mundo de Aventuras”) e os primeiros livros (Salgari, Paul Féval, Ponson du Terrail, Dumas).
Lá disparei a primeira pressão de ar, uma Diane, e a primeira espingarda a sério, a Flaubert .22; lá brinquei, tive medo das feras (quando um leão rugia, os “crescidos” diziam que “o leão está a cantar”, uma forma de afastar o terror nocturno inspirado pelos animais selvagens), encantei-me com os primeiros "bichos", cães, gazelas e periquitos.
O som de um motor de automóvel ouvia-se a dez ou quinze quilómetros de distancia e desencadeava uma enorme excitação, porque significava que provavelmente íamos ter visitas.
Nenhum dia era igual ao outro, embora, na minha infantil imaginação, eu confundisse sossego com monotonia.  
O Natupile era a “casa” e era para lá que voltámos sempre.  



Um comentário:

Unknown disse...

Olá Toni.Que boas lembranças e quantas saudades de tudo e todos.Passei belos dias em Natupile.
Ia com o teu Pai meu tio Augusto para o outro lado da serra ver a machamba de arroz.Era uma bela caminhada a pé pois não havia estrada para o carro.Iamos bem cedo e voltavamos ao anoitecer.Enfim-belos tempos.Grande abraço para ti e Paula.Beijo