No canto da sala do Natupile que o meu Pai reservara para
lhe servir de escritório havia uma enorme secretária de madeira escura e linhas
modernista. Uma parte da face exterior, encurvada em quarto de lua, era constituída por duas ou três fileiras de
estantes .
Juntamente com as que ocupavam os dois segmentos da
esquina da sala, ofereciam lugar para bastantes livros.
Ainda voltarei ao assunto.
Numa das estantes, havia um busto de Churchill, parecido com o que ilustra este post mas que tinha uma cor diferente, um tom de marfim envelhecido e, se bem me lembro, um sorriso mais acentuado e sardónico.
Na época, durante os anos do pós-guerra, a popularidade de
Winston Churchill era, ainda, avassaladora, maior do que a de qualquer estrela
de cinema ou figura da cultura (que ele , de resto, também era).
A presença do busto no escritório de meu Pai, que julgaria rever-se nas doutrinas conservadoras se tivesse vivido em Inglaterra, era uma
espécie de proclamação, uma afirmação pública anglofilia e ódio ao boche.
Para mim, na altura, o busto era um objecto fascinante, não
porque eu tomasse partido pelo Churchill contra o Atlee ou pela City contra os
Sindicatos – polémicas que não me interessavam sobremaneira - mas fundamentalmente porque o icónico
charuto do Velho Leão era…amovível! Podia retirar-se da boca churchilliana,
deixando, no seu lugar, uns lábios retorcidos a formar um buraco e, depois,
voltar a colocar-se e recompor a face rubicunda. Podia mesmo servir para meter
na nossa própria boca como se fosse um verdadeiro charuto!
Nunca esqueci esse busto.
Há algumas semanas, na montra de uma loja de bric-a-brac, vi um objecto igualzinho ao
do meu pai, até na cor e no aspecto de louça craquelée, com aquelas minúsculas redes de finíssimas rachas que
exibem as porcelanas antigas.
Tive ímpetos de entrar e comprá-lo.
Mas…não era o mesmo busto. E quem sabe quem já teria tido andado com aquele charuto na boca...
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